17.03

Morre padre Crespo, uma das principais fontes da luta no campo nos agitados anos 1960.

Vandeck Santiago (texto)
Arquivo/DP (foto)

Esta foto histórica é de 24 de novembro de 1965, tirada em um canavial de Carpina (Zona da Mata pernambucana). O cidadão que aparece arrumando os cabelos é Robert Kennedy, irmão de John Kennedy, que havia sido assassinado em 1963. O camarada que aparece ao lado dele, de batina, era o então padre Crespo, organizador de sindicatos rurais e um dos religiosos nordestinos de confiança dos norte-americanos. Em 2003 Ethel Kennedy, viúva de Robert Kennedy (assassinado em 1968, quando disputava as primárias da eleição presidencial), esteve no Recife e fez questão de encontrar-se com ele, presenteando-o com medalha do Memorial Robert Kennedy. Paulo Crespo – que deixou a batina em 1972, casou-se duas vezes e teve oito filhos – morreu anteontem, aos 83 anos. Sofria do mal de Parkinson. Morava no Janga (Paulista). Deixou uma história ainda hoje pouco conhecida.
Em 2006 eu o entrevistei para reportagem especial publicada no Diario em 30 de agosto daquele ano, intitulada O plano de Kennedy para o Nordeste. Queria saber informações sobre um suposto agente da CIA que atuara com ele na zona canavieira de Pernambuco nos anos 1960, ajudando a organizar cooperativas. O agente veio para cá por meio de um convênio com a CLUSA (Liga Cooperativa dos Estados Unidos), entidade privada dos EUA que era destinatária de recursos da CIA. As ligações da CLUSA com a agência secreta norte-americana haviam sido reveladas em 1967, em matéria do New York Times. Já as relações do agente com o padre Crespo foram descritas pelo brasilianista Joseph Page, no livro A Revolução que nunca houve (1972), obra que descreve a ação dos EUA no Nordeste durante o governo de Kennedy.
Eu descobrira no acervo da Biblioteca Truman (Truman Library), em Independence (Missouri), cópia de um estudo com recomendações para o desenvolvimento para o Nordeste feito a pedido do presidente Kennedy, de autoria de uma equipe comandada pelo economista Merwin Bohan. Chama-se Northeast Brazil Survey Team Report (Missão de Estudos sobre o Nordeste do Brasil). Foi entregue ao presidente em fevereiro de 1962. Previa uma série de ações em diversas áreas – da economia à educação – e tinha como objetivo estratégico combater o que julgavam como “influência comunista” na região. Como digo na reportagem, “pela primeira vez o governo dos EUA preparava um plano específico de desenvolvimento para uma região sub-nacional”. Em 13 de abril de 1962 o presidente João Goulart e o presidente Kennedy assinaram em Washington o Northeast Agreement (Acordo do Nordeste), que previa investimentos de US$ 131 milhões na região (em valores atualizados, isso representava em 2006 cerca de US$ 650 milhões). A ação fazia parte da Aliança para o Progresso, projeto prioritário do governo Kennedy, voltado para a América Latina. Era a época da Guerra Fria e a Revolução Cubana estava em seus primeiros anos.
O padre Crespo foi testemunha ocular privilegiada desses acontecimentos. Na entrevista ele falou sem reservas sobre o suposto agente da CIA, inclusive citando o nome dele. “Era Thimoteo Rogen”, ele me disse, soletrando o nome. “Ele era técnico em cooperativismo. Conhecia muito o assunto, nos ajudou muito. Em 1968 começaram os rumores de que era da CIA e nós rescindimos o convênio e o devolvemos para a CLUSA”. O que ele disse quando o contrato foi rescindido? “Ele disse que não era da CIA”, contou-me Crespo. Segundo ele, havia na época “uns 400” norte-americanos em ação nos trabalhos de cooperação com o Nordeste. “Mas nenhum deles trazia na testa a sigla CIA”, disse Crespo.
Paulo Crespo foi o principal pioneiro da organização de sindicatos rurais em Pernambuco. Tinha sólida formação teórica; concluíra seus estudos em Paris. Era de atuação moderada – nem ligado à esquerda nem aos proprietários de terra, mas ferrenho defensor dos camponeses. Quando casou, em 1972, quem celebrou seu casamento foi dom Helder Camara. Com a sua morte desaparece uma das principais fontes dos acontecimentos no campo nordestino nos agitados anos 1960.