19.03

Nenhum dos lados em confronto conseguiu tornar-se manifestação irresistível da consciência nacional.

Vandeck Santiago (texto)
Rafael Martins (foto)

Qualquer outro governo na mesma situação do de Dilma Rousseff já teria caído. Sob crise política e econômica, alvo de notícias negativas quase diariamente, com vigorosas manifestações de rua pedindo sua saída, com lideranças presas e outras sendo investigadas por corrupção, e sem em qualquer momento ter conseguido implantar uma agenda positiva, – numa situação dessas, que governo resistiria? Pois bem, o de Dilma resiste. As manifestações de ontem são uma das explicações para isso. Indicam que o seu governo tem base social (entidades, sindicatos, movimentos) e mantém apoio de parcela expressiva da população.
Para um governo envolto em crise profunda, a quantidade de pessoas que foram ontem às ruas defender a democracia, defender a presidente e defender Lula é surpreendente. Não há dúvidas que os protestos contra o governo no último dia 13 reuniram bem mais gente do que os atos de ontem. Ninguém esperava que fosse diferente (não se pode desconsiderar a impopularidade do governo, o efeito das ações da Lava-Jato, as acusações de corrupção, o desemprego, a queda na renda familiar etc.). Mas este mesmo raciocínio que explica pelo menos em parte porque os protestos do dia 13 foram maiores, servem para justificar a surpresa pela participação expressiva nas manifestações de ontem. Desenhando: apesar de todos os problemas, uma multidão foi ontem às ruas dizer que é contra a derrubada do governo, que julga isso um golpe, e que está ali para mostrar sua disposição em defendê-lo.
“É muito significativa a reação petista. Mostra que o país, no mínimo, está dividido”, escreveu ontem o colunista de O Globo Jorge Bastos Moreno, um dos mais experientes jornalistas políticos do país, que em 35 anos de carreira acompanhou de perto a campanha das Diretas Já e a queda do Fernando Collor. Ao raciocínio do colega podemos acrescentar que está dividido não só numericamente, mas também pelo fato de que nem um dos lados conseguiu tornar-se manifestação irresistível da consciência nacional – como foram as campanhas das Diretas Já e pelo impeachment de Collor.
Os que foram às ruas ontem e no dia 13 defendem pontos de vista diferentes, porém têm algo em comum: o direito a manifestar-se. Nenhum tem mais direito do que o outro (é uma obviedade isso, mas de um lado e outro há quem ache que “o meu direito é melhor do que o seu”…). Nenhum é mais brasileiro que o outro – nem o que diz que sua bandeira nunca será vermelha nem o que afirma que o sonho do outro é morar em Miami. Dependendo das convicções de cada um, pode ser muitas vezes penoso suportar as ideias do outro. No entanto, a menos para aqueles que desejam ir viver fora, estamos todos condenados a viver no mesmo território. Ou a gente se atura como pessoas civilizadas ou vamos partir para o xingamento e as agressões mútuas.
O discurso do Lula ontem, durante o ato em São Paulo, foi feliz ao tocar neste ponto. Primeiro ele reconheceu o direito ao protesto dos que são contra o governo. É outra obviedade, mas entre governistas predomina o pensamento de desmerecer as manifestações dos que lhe são contrários, como se todos ali estivessem defendendo interesses escusos ou privilégios. Permitam-me aqui lançar uma hipótese interrogativa: imaginem que o presidente fosse Aécio Neves, e que Fernando Henrique fosse nomeado ministro estando sob investigação de atos supostamente ilícitos – como reagiria cada um de nós?
Mas, voltemos ao Lula: diferentemente do previsto, o seu discurso buscou valorizar o que chamou de “restabelecimento da paz”. Pode-se acreditar ou não na sinceridade de suas palavras, pode-se pensar ou não que suas palavras foram simples tática política, mas o fato é que elas não procuraram acirrar ainda mais os ânimos. Sim, disse que “não vai ter golpe”, mas se não dissesse isso estaria contrariando o próprio espírito da manifestação. Disse que quer ir para o governo não “para brigar”, mas “para ajudar” a presidente Dilma “a fazer as coisas que ela precisa fazer” pelo Brasil. “E não vou lá”, afirmou ele, “achando que aqueles que não gostam de nós são menos brasileiros do que a gente ou que a gente é mais brasileiro que eles”.
O desfecho da situação política continua imprevisível. As manifestações de ontem não modificam esta constatação. Mas indicam que as forças governistas ainda estão no jogo.