01.04

Brincadeiras do primeiro de abril perdem a graça quando país precisa mesmo é falar sério.

Luce Pereira (texto)
Greg (arte)

Por um costume que originou-se na França, passou para a Inglaterra e depois ganhou o mundo, o 1º de abril ficou conhecido como “dia da mentira”. Dia de fazer os outros de bobos, pregar peças, criar armadilhas com o propósito de dar ao ridículo um status que habitualmente não tem. Apesar de um tanto quanto em desuso, nos últimos tempos, a data tinha lá seus encantos, sobretudo porque o objetivo em si era arrancar sorrisos – e eles serão sempre bem-vindos. Contudo, para desgosto geral da nação, a realidade parece se incumbir de transformar o que era brincadeira em prática diária, instituindo a mentira como meio e garantia de sobrevivência. Acreditar em quê, em quem? Eis a mais crucial das perguntas que tempos turbulentos na política e na economia conseguiram produzir, nos dando a impressão de estar vivendo a “era de Pinóquio”.
Nunca mentiu-se tanto, a ponto de mentiras repetidas à exaustão virarem uma espécie de mantra do poder pelo qual, cada vez mais, os homens matam e morrem. Neste caso, o ato de faltar com a verdade  – não importa a frequência – encontra na célebre frase (erroneamente) atribuída a Maquiavel, os fins justificam os meios, acolhimento perfeito. São tempos que refletem uma espécie de vale tudo onde os interesses da população contam nada ou quase nada. Mesmo palavras como democracia, benditas no dicionário de gente que sonha ou milita por um futuro melhor para o país, tornaram-se símbolos de mentiras bem acabadas, objetos de manipulação desmedida. E no jogo de esconde-esconde, tem-se a nítida impressão de que quem perde é quem tenta descobrir onde está a verdade.
Não que mentir não seja um ato extremamente humano, justificado, entre tantas outras coisas, pela fantasia (inclusive de poder) e pelo medo. Mas quando o verbo passa a ser conjugado como se fôra uma espécie de instituição nacional, é hora de colocar as barbas de molho e refletir sobre que tipo de cidadão queremos ser – se aquele para o qual não se chega a lugar algum sem o mínimo de compromisso com a verdade ou se aquele que vai passar a vida acreditando na tese de que “uma mentirinha aqui, outra ali” não deve ser vista como pecado e sim como “traço cultural”. Para estes últimos, 1º de abril é todos os dias – e nem por isso a consciência lhes dói.
Acostumar-se com inverdades como se elas fossem parte rotineira do jogo social é meio caminho para habituar-se à privação de direitos e conquistas, um cativeiro onde não cabem povos que sempre defenderam a justiça como meio e fim. Eles sabem que mentiras repetidas à exaustão por pessoas ou instituições que parecem “autorizadas” a mentir acabam sendo aceitas como se fossem verdades inquestionáveis. Parecemos próximos deste cenário, o que já deveria ter feito disparar um estridente alerta, afinal, aonde chegaremos carregando o estigma de nação para a qual a ausência da verdade é tão sentida quanto a de um inimigo?
No caso do Brasil, mentiras não têm pernas tão curtas assim e costumam cobrar um preço muito alto de quem não reage a elas, surpreendentemente, quem mais precisaria vê-las enterradas a vinte palmos do chão. Portanto, um bom exercício para começar a destitui-las do pedestal em que o poder as colocou é começar a não achar graça nenhuma quando se vir alvo de uma brincadeira de 1º de abril. De hoje em diante, os dias deveriam servir para ninguém esquecer que está na hora de o Brasil começar a ver a mentira como inimiga pública número um.