27.04

Governos se preocupam com acidentes entre jovens que caminham sem tirar os olhos do telefone.

Luce Pereira (texto)
Greg (arte)

Talvez o leitor ainda não faça a menor ideia do que significa smombie, porém, em 2015, a palavra foi a gíria mais marcante para adolescentes alemães. É o resultado da junção dos termos smartphone + zombie (zumbi) e identifica aquela pessoa incapaz de tirar os olhos do telefone móvel mesmo enquanto caminha. Este exército, que cresce em velocidade exponencial, pode ser o sonho dourado das gigantes do setor de telefonia celular, mas se transformou em pesadelo para o poder público de cidades desenvolvidas, mundo afora, onde a segurança dos cidadãos não é tratada com descaso e indiferença, muito pelo contrário. Este cuidado é a parte boa da história, a ruim fica por conta das estatísticas destinadas a quantificar acidentes graves envolvendo viciados neste tipo de tecnologia, o que já se configura como a maior entre todas as dependências do mundo moderno.
E nestes lugares, os cuidados evoluem com a demanda por eles, o que só comprova o olhar atento dos governos para impedir o avanço de ameaças, ainda mais aquelas com força de tendência. Em 2014, conheci Augsburg, na Bavária, a terra do pai de Wolfgang Amadeus, Leopold Mozart (1719-1778). Apesar de ser uma das cidades de maior importância histórica, na Alemanha, parece daquelas cujo nível de organização permite um sossego facilmente visto através da vida nos cafés e cervejarias com cadeiras e mesas espalhadas pelas calçadas. Difícil imaginar o trânsito como um perigo, exceto para quem se distrai e o ignora. No entanto, não devem ser poucos nesta condição, justamente eles, os smombies, que acabaram obrigando a prefeitura a instalar semáforos luminosos no asfalto, com dispositivo de alerta. Sempre olhando para baixo enquanto caminham e digitam, os incautos têm mais chance de escapar de acidentes.
E as ocorrências são muitas em várias partes do mundo, não apenas na Alemanha. A era da multiconexão tem obrigado o poder público não somente a colocar a mão no cofre como na criatividade para proteger os smombies, caso da sueca Estocolmo, que aderiu a semáforos para alertar motoristas sobre a aproximação dessas pessoas. Elas, também, motivaram a criação de um termo em inglês (inattentional blindness), que designa o comportamento – em tradução livre, “cegueira” não intencional. Faz sentido, especialmente depois do que deveria ser um vídeo para as pessoas morrerem de rir, publicado pelo Wall Street Journal. Em um movimentado passeio em San Francisco (Califórnia), o jornal colocou um homem disfarçado de Chewbacca, personagem do filme Star Wars (Guerra nas estrelas), e as pessoas, de olhos grudados nos telefones, nem levantavam a cabeça quando passavam por ele.
Já a cidade chinesa de Chongping não ficou indiferente ao problema e fez opção por uma medida mais caseira, reservando pista só para os “mortos-vivos” do mundo moderno caminhar sem perigo de morrer de fato. Porém, do lado de baixo do Equador, não há estatísticas destinadas a medir as consequências deste tipo de ameaça. Supõe-se que não seja tão grande por alguns motivos que condições econômicas e sociais adversas impõem, como a violência e a falta de calçadas. Entre ser surpreendido por um ladrão a lhe surrupiar um dos bens mais “caros” (nos dois sentidos) ou cair em um dos muito buracos espalhados pelo caminho, o melhor é deixar para ser “zumbi” em casa. Naturalmente, cada vício tem um preço e o deste não é baixo: pode-se perder a vida em distraída travessia, enquanto os olhos passeiam entre o teclado e a tela do telefone celular, mas, tão grave quanto, é distanciar-se cada vez mais de uma realidade afetiva feita de carne e osso. Porque (felizmente) ainda não conseguiram inventar nada melhor do que falar de amor/amizade com abraços e olhos nos olhos.