29.04

Contexto muito desfavorável acentua dúvidas sobre sucesso do evento.

Luce Pereira (texto)
Greg (arte)

Ainda perduram as imagens da euforia desmedida de autoridades do país ante o anúncio da vitória do Brasil e do Rio de Janeiro para sediar a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Do outro lado do balcão, nos dois casos, um povo com as barbas de molho, certamente por conhecer de perto como se comporta o poder público por aqui: briga desmesuradamente para conseguir o que aos olhos do mundo funciona como vitrine das mais poderosas e somente muito depois vai ver como dar conta do recado. No caso do Mundial de Futebol, o vexame começou pela pobreza de imaginação da cerimônia de abertura, passou pelas obras inacabadas, os problemas de infraestrutura, e foi coroado com o desempenho da seleção. Nada parecia mais emblemático em relação ao eterno pecado da falta de planejamento do que aqueles sete gols sofridos no jogo contra a irrepreensível Alemanha. Os mais otimistas acreditaram que os Jogos Olímpicos seriam redentores, mas o Rio de Janeiro começou, ontem, a contagem regressiva dos cem dias até o evento num contexto altamente desfavorável, a começar pela dor de cabeça para garantir a paz durante a competição.
Esqueça as lições dadas por países que reivindicaram o privilégio de sediar eventos desta grandeza, como a Inglaterra, no caso da Olimpíada de Londres – mal foi anunciada a vitória, poder público e população atiraram-se ao desafio de proporcionar, com folga, um dos maiores espetáculos já vistos em jogos olímpicos. O Brasil, não. Parece ter-se especializado em mostrar o contrário, independentemente do nefasto discurso de que somos pobres e eles, ricos. Falta seriedade em assumir e arcar com as consequências de trazer para cidades brasileiras pessoas do mundo inteiro habituadas a serem tratadas com respeito – leia-se segurança, infraestrutura, organização. Ao menos em termos de obras, o Rio não deverá pedir desculpas – embora tudo tenda a ficar pronto em cima da hora, como o ramal do metrô que vai ligar o palco das competições às áreas turísticas. No entanto, a cidade não resolveu o básico, a segurança, vendo-se sob ameaça de enfrentar grossas manifestações robustecidas pela crise política, sem falar no fantasma do terrorismo made in Estado Islâmico.
Mesmo em menor conta, entra no rol das más repercussões o desabamento de parte da Ciclovia Tim Maia (São Conrado), semana passada, e ainda os números assustadores de vítimas do zika vírus, que apenas saíram dos holofotes da mídia em função da aguda crise política no país, além do fato de, a tão pouco tempo da abertura, metade dos ingressos continuar à espera de compradores. Num cenário pouco atraente, inclusive pela prática de preços abusivos em muitos dos setores de serviço, os cautelosos acabam por se decidir em cima da hora ou optar por ver o espetáculo em um país com mais garantias. Pelo jeito, em um caso ou outro, eles formam metade do público esperado e podem ter peso definitivo no sucesso do evento, Para estas pessoas, que aparentam ser muito mais criteriosas com escolhas deste tipo, não deve ser indiferente, por exemplo, o fato de o projeto de despoluição da Baía da Guanabara ter ficado somente no terreno das promessas.
Do mesmo jeito que o chamado “jeitinho brasileiro” não conseguiu salvar o país de apresentar uma das piores edições da Copa do Mundo, não deve, nem mesmo com a mundialmente conhecida simpatia carioca, ser suficiente para evitar um saldo ruim, no caso dos Jogos Olímpicos. O mundo parece dizer que perdoa cada vez menos o improviso, enquanto o país tende a enxergá-lo como traço cultural. Extremamente cômodo, pois mudança significativa de postura exigiria maturidade e compromisso político, dos quais a classe só dá mostra de viver fugindo. O bom senso manda que, como brasileiros, torçamos pelo melhor, mas também sugere que colocar as barbas de molho continua sendo excelente medida para evitar desilusões como as já experimentadas tantas vezes.