,foc3004p0012Os homicídios são hoje a principal causa de morte da população na faixa etária de 15 a 29 anos.

Vandeck Santiago (texto)
Julio Jacobina/DP (foto)

Abra qualquer jornal do Brasil, em qualquer dia, e sempre haverá a notícia sobre algum homicídio. Observe a idade da vítima: muito provavelmente terá entre 15 e 29 anos, ou até menos. Não é previsão, é estatística: dos 56.337 homicídios ocorridos no Brasil em 2012, mais da metade tiveram como vítimas pessoas nessa faixa etária. O percentual exato é 53,7%. São dados oficiais: constam do Mapa da Violência: os jovens do Brasil, 2014, e são oriundos do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde. O levantamento do SIM é feito com base nos atestados de óbitos de todo o país.
Citei o percentual de jovens assassinados no ano, mas deixem-me dar o total, para que vejamos a gravidade da situação: 30.072 jovens. Todos assassinados. O resultado mostra que os homicídios são hoje a principal causa de morte dos jovens.
Dentro desses números há nuances que os tornam ainda mais dramáticos. A grande maioria é de negros (77%) e quase todos são do sexo masculino (93,30%).
“Por essa razão, os homicídios de jovens representam uma questão nacional de saúde pública, além de grave violação aos direitos humanos, refletindo-se no sofrimento silencioso e insuperável de milhares de mães, pais, irmãos e comunidades”, diz a Secretária Nacional da Juventude, Severine Carmen Macedo, em trecho do estudo. “A violência impede que parte significativa dos jovens brasileiros usufrua dos avanços sociais e econômicos alcançados na última década, e revela um inesgotável potencial de talentos perdidos para o desenvolvimento do país”.
O problema não é exclusivo do Brasil, como mostra matéria da BBC de ontem. Atinge também a América Latina e o Caribe, regiões com os mais altos indicadores do mundo de homicídios entre crianças e adolescentes. Citando o que chama de “estudo mais completo sobre o tema até o momento”, o relatório Hidden in plain sight (“Escondido em plena vista”), da Unicef, divulgado em 2014, a reportagem informa que “de acordo com estatísticas de 2012, homicídio é a principal causa de morte entre garotos de 10 a 19 anos em sete países da América Latina e do Caribe: Brasil, Colômbia, El Salvador, Guatemala, Panamá, Trinidad e Tobago e Venezuela”.
Nesse caso a faixa etária é inferior àquela do Mapa da Violência com dados exclusivos do Brasil, porém ainda mais preocupante, porque inclui crianças.
A questão tem ainda outro problema, difícil de ser mensurado, mas não por isso imperceptível: o de que do outro lado, ou seja, o dos agressores, também encontram-se muitos jovens (e tendo muitas vezes como vítimas adultos e idosos, o que significa um aumento do alcance da violência com jovens envolvidos).
O Brasil mudou muitos nos últimos 20 anos. Incorporou largas fatias de excluídos, melhorou a condição de vida de milhões de pessoas, criou programas sociais cujos benefícios finalmente alcançaram os jovens. Em comparação com a realidade do início dos anos 1990, por exemplo, o leque de oportunidades para os jovens foi vigorosamente ampliado. Mas o resultado do Mapa da Violência e do estudo da Unicef (e também a nossa própria percepção da realidade que vemos diariamente, em nossas cidades) mostra que tudo o que foi feito ainda não é suficiente.
Ainda temos milhões de jovens crescendo em ambiente de violência, com estrutura psicológica e familiar deficiente, com poucas opções de lazer, individualmente submetidos a preconceitos e humilhações, com escolas de baixa qualidade, com transporte ruim, com tratamento médico precário – tudo isso formando um caldeirão de tensões que favorece as más escolhas.
O que os levantamentos estatísticos mostram, o que a nossa percepção como cidadão percebe, é que a atenção para esta população deve ser ampliada. Programas sociais que atingem estas pessoas não podem ser reduzidos nem muito menos extintos. Na matemática em busca de uma sociedade justa e igualitária, com oportunidade para todos (ou, pelo menos, para a maior parcela possível), o sinal que estes jovens precisam é o de “mais” e não o de “menos”.