Em Foco 23.05

Governo federal aplica questionários para ouvir população trans sobre interesse em cursos do Pronatec.

Marcionila Teixeira (texto)
Rafael Martins (foto)

Fernanda Falcão, 24 anos, alcançou uma formação profissional ainda incomum entre as mulheres transexuais e as travestis. No próximo ano, forma-se em enfermagem em uma universidade particular. Enquanto não ocupa uma vaga no mercado de trabalho como enfermeira, está empregada na Coordenadoria LGBT da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social, Criança e Juventude. Também tem no currículo um curso técnico de auxiliar de enfermagem. Fernanda hoje é exceção em um universo onde 90% das trans e travestis tiram o sustento da prostituição. A própria universitária foi profissional do sexo. Aconteceu durante cinco anos, logo após ser expulsa de casa ao revelar sua orientação sexual para os pais. Tinha 15 anos.
As travestis e mulheres e homens trans de oito estados brasileiros estão sendo convidados a responderem um questionário sobre quais formações profissionais gostariam de ter acesso. As respostas vão embasar a confecção do Pronatec Trans, como está sendo chamado o programa do governo federal. O público-alvo precisa preencher o formulário de acordo com o interesse real e o curso pretendido. O Pronatec tradicional foi criado em 2011, através da lei 12.513/2011, com o objetivo de “expandir, interiorizar e democratizar a oferta de cursos de educação profissional e tecnológica no país”.
Pernambuco, através da Coordenadoria LGBT, pediu ao governo federal a adesão ao projeto e aguarda o envio dos questionários para o estado. Apesar do interesse de setores do estado, paira no ar uma incógnita sobre o futuro dessa política pública em virtude das mudanças na presidência do país. A Secretaria de Direitos Humanos tinha status de ministério, mas, no último dia 12, o presidente em exercício, Michel Temer, editou uma medida provisória onde determinou a incorporação da secretaria pelo Ministério da Justiça, que, por sua vez, passou a ser Ministério da Justiça e Cidadania.
O governo federal, no entanto, garante que a política continua a ser tocada. “Acho importante responder esse questionário porque existe um estigma de que a população LGBT somente pode trabalhar com estética, por exemplo. Desta vez o processo acontece ao contrário. O governo é quem pergunta qual cardápio a população quer”, raciocina Marcone Costa, da coordenadoria LGBT do estado.
Apesar de ser uma população cada vez mais empoderada, as trans e as travestis ainda não são contabilizadas em pesquisas do IBGE. “Em 25 anos de luta, digo que 90% dessa população estão na prostituição e somente 10% conseguiram ascender no mercado de trabalho”, calcula Chopely Pereira, da Articulação e Movimento para Travestis e Transexuais de Pernambuco (Amotrans).
Hoje, diz Chopely, a prostitução vira praticamente uma obrigação para viabilizar a sobrevivência diante das portas fechadas da família e do mercado de trabalho. “Promover política de educação que contemple as alteridades da pessoa humana é o primeiro passo para a construção de uma sociedade menos desigual, mais justa e equânime”, ressalta Carlos Tomaz, coordenador estadual de Pernambuco da Rede Nacional Afro LGBT. Fernanda diz ter bancado parte dos estudos universitários com o dinheiro da prostituição. Manter-se na sala de aula, no entanto, ainda hoje é desafio para ela. O preconceito dentro das unidade de ensino impede o uso do banheiro feminino e que elas sejam chamadas pelo nome social, por exemplo. “Acho que o Pronatec pode ser um incentivo para muitas meninas terminarem o ensino médio e ingressarem em um curso técnico. É um programa de humanização, que pode reintegrar essas pessoas à sociedade”, reflete a universitária, na torcida pela permanência da política pública.