24.05

O que leva jovens de boa situação econômica a atos que podem destruir a vida dos outros e a deles?

Vandeck Santiago (texto)
Wagner Oliveira (foto)

Durante 30 dias a polícia investigou um mistério: quem estava quebrando as fachadas de vidro das concessionárias da cidade? Após analisar 1.080 placas de automóveis, os investigadores chegaram aos autores do vandalismo: era um grupo de quatro universitários. Eles cometiam o vandalismo com estilingues, disparando bolas de gude. A polícia constatou ainda que não só as vidraças foram seus alvos; oito pessoas também foram atingidas, algumas sofrendo ferimentos graves. Um cidadão de 46 anos, atingido na boca, pode perder todos os dentes. Os quatro universitários cursam Medicina Veterinária na Faculdade Anhanguera (Anápolis, GO). São três rapazes e uma garota, com idades entre 22 e 29 anos. Os quatro moram em bairros nobres de Goiânia. Há cerca de um ano que eles cometiam os atos. Saíam sempre em um automóvel de propriedade do pai de um deles. Foram indiciados por danos ao patrimônio particular e lesão corporal. Os jovens disseram à polícia que agiram “por diversão”. Foram presos, indiciados por dano ao patrimônio e lesão corporal, e soltos dias depois. Nenhum deles tinha passagem pela polícia.
Você vê uma notícia dessas e pensa: o que leva quatro pessoas, cursando uma faculdade, a sair por aí atirando bolas de gude em vidraças e pessoas? A ter prazer em cometer esses atos, a ponto de repeti-los vezes e vezes? A machucar pessoas que nunca viram antes, sem o menor remorso do dano que estavam causando? E um detalhe interessante: as pessoas escolhidas como alvos eram todas pobres. O cidadão que perdeu os dentes, por exemplo, estava na beira da estrada esperando transporte. Nos faz lembrar de outros casos clássicos, em que as vítimas também eram dessa classe social: o do índio Galdino Jesus dos Santos, queimado vivo em 1997, quando dormia na rua em Brasília (ele viera para um ato na Funai e perdeu-se ao retornar para a pousada onde estava hospedado), e o da empregada doméstica Sirlei Dias Carvalho, roubada e barbaramente agredida quando estava numa parada de ônibus na Barra da Tijuca, bairro de elite do Rio. Os dois casos praticado por jovens de classe média.
Esses atos não são exclusivos do Brasil, nem de alguma região específica. São até comuns. Não vamos aqui teorizar como se especialistas fôssemos, mas antes externar uma reflexão como observador engajado da situação. A primeira tentativa de explicação que nos vem à cabeça é de que aqueles que agem assim o fazem confiantes de que ficarão impunes. É uma explicação corriqueira do chamado “senso comum”, mas também dos especialistas em segurança e comportamento humano. Certa vez, diante de atos de vandalismo praticados em Porto Alegre, o sociólogo Cândido Grzybowski, um respeitado intelectual brasileiro, atestou: “O vandalismo é pouco coibido”. Acrescentou que a prática era “um traço característico da perda de valores”.
Claro que uma coisa é destruir uma vidraça e outra, muito diferente, é tocar fogo numa pessoa, mas esses casos fazem parte de uma ambiência de violência e de desrespeito que acabam se ligando por diversos laços. São reações de hostilidade, que revelam a ausência total de princípios morais básicos, de um mínimo de consciência sobre a vida e sobre o respeito ao outro.
Se fosse só uma questão de segurança, seria fácil talvez não resolvê-la, mas pelo menos diagnosticá-la e formular um receituário. Mas sabemos todos nós que nada é tão simples assim. Há toda uma sequência de fatores que provocam ressentimentos, frustrações e “falta de um motivo para viver” – e não estamos aqui falando exclusivamente de pobres, porque nesses casos de mais repercussão (como os citados aqui) a participação tem sido de jovens com situação econômica privilegiada. Tomando o caso dos universitários de Goiás como exemplo, parece claro que a solução do problema não se dará apenas na esfera policial, mas em um tripé onde estão família, escola e sociedade (aí incluído, claro, os governos).