26.05

Caso de gêmeos de Santos, em São Paulo, é visto como chave para pesquisas sobre zika e má-formação.

Silvia Bessa (texto)
Vinicius Danadai (foto)

Pode estar nos gêmeos Laura e Lucas a explicação cabal sobre como o zika vírus é capaz de causar microcefalia em algumas crianças no ventre de uma mãe infectada e livrar outras do mesmo risco.  Eles completaram seis meses no último dia 17 e são um dos  cinco casos de gestações gemelares investigados por pesquisadores brasileiros por terem uma peculiaridade raríssima: uma das crianças nasceu com a má-formação; outra, não. Na família de Jaqueline de Oliveira, Laura é quem tem desenvolvimento cefálico comprometido. Moradores de Santos, interior de São Paulo, eles são acompanhados pela reportagem do Diario de Pernambuco desde dezembro de 2015.
“Esses gêmeos podem nos ajudar a ter importantes respostas”, informou Mayana Zatz, do Departamento de Genética e Biologia Evolutiva do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (Usp) à Agência de Notícias Reuters. Como podemos explicar que um dos gêmeos não foi afetado? Existe um gene que o protegeu?”, questiona. É isso que querem saber. Esta semana Laura fez a segunda ressonância magnética para visualizar imagens que mostrem a formação do crânio desde que nasceu. Foram descartadas as hipóteses de microcefalia por toxoplasmose (doença hospedada por gatos) e citomegalovírus (infecção que também pode causar dano cerebral). Não foram divulgadas investigações sobre zika, chikungunya e dengue.
“Tomara que ajude a outras crianças”, disse Jaqueline ontem, ao falar por telefone sobre a contribuição que tem dado aos estudos a respeito do misterioso zika, um vírus que é transmitido pelo mosquito Aedes aegypti e que pode contar com outros agentes como causa de danos cerebrais tão complexos e severos. “A doutora veio aqui em casa uma vez. Depois, fico levando Laurinha para fazer os exames diferentes. É muito cansativo. Aliás, nem sei se vou outras vezes. Quando encerrarem, eles irão me dar os resultados. Mas, sabe, isso não me angustia mais porque o que foi feito, foi feito”, desabafa Jaqueline.
Há indicativos de que o zika vírus infecta o líquido amniótico, a placenta e o tecido cerebral do feto. Três linhas são trabalhadas por Mayana Zatz: que a placenta de um dos bebês gêmeos por algum motivo tem estrutura mais “permeável ao vírus”. Outra de que o vírus chegue às duas placentas, mas que os neurônios de uma das crianças seja mais resistente. E uma última possibilidade de que “certos genes podem predispor a criança à microcefalia e podem ser alterados pelo zika vírus”.
Há seis meses, a jovem Jaqueline de 24 anos, mãe de Laura, Lucas e dos mais velhos, Paulo Guilherme (8 anos) e Gabriele (4 anos), lida com a dúvida a respeito do verdadeiro causador da microcefalia da filha. Ela sequer sabe oficialmente se Laura tem microcefalia por zika quanto mais o motivo que fez com que Laura fosse atingida e Lucas preservado. Os exames que tinha em mãos quando os gêmeos nasceram seguiram para pesquisa. Ressentia-se no início, hoje a rotina de terapias e a lida de mãe de quatro filhos fez com que ela não desse mais importância à expectativa.
No Brasil, de outubro de 2015 até esta semana, são 1.434 casos confirmados de bebês com diagnóstico de microcefalia. Um total de 7.623 casos com má-formação foram notificados como suspeitos, tendo 3.257 ainda sob investigação do Ministério da Saúde em 517 municípios do país. O Acre é o único que permanece sem nenhum confirmado. Os números de São Paulo, onde Laura e Lucas moram, são aquém da realidade porque o estado decidiu só divulgar seus casos após confirmação da contaminação do zika vírus.
Enquanto ajuda na pesquisa sobre o zika e a microcefalia, Jaqueline lamenta: “O que sinto mesmo é porque negaram a aposentadoria de Laura. Alegaram que a renda ultrapassa. Foi uma decepção”. Ela vive com o marido com um salário de R$ 2 mil para sustentar uma casa com seis pessoas, sendo uma delas Laura. A menininha é acompanhada pela Casa da Esperança, em Santos. O atendimento custeado pelo governo cobre fonoaudiologia, fisioterapia, estimulação e exames. Os gastos domésticos, incluindo os feitos para compra do leite especial para deixá-la confortável, ficam como despesas extras da família. Os remédios, além dos esperados para um bebê, também. Um deles, o Diazepan, um tipo de ansiolítico e anticonvulsionante. “Não é fácil”, exclama a mãe.