Em Foco 27.05

País que vai sediar os Jogos Olímpicos tem uma mulher vítima de violência sexual a cada onze minutos.

Luce Pereira (texto)
Greg (arte)

Todas as vezes em que o Diario, através da análise de um fato pontual, se posicionou de forma enfática contra o machismo revelado na notícia em questão, se viu alvo de comentários desairosos, muitos deles chulos, em sua página no Facebook. Ontem, imprensa e redes sociais foram inundadas com a denúncia de que uma jovem de 17 anos havia sofrido abuso sexual praticado por um grupo de 33 homens, sexta-feira, em um bairro da Zona Oeste do Rio de Janeiro. Não bastasse, alguns dos estupradores teriam usado seus celulares para veicular vídeos com imagens chocantes do crime, nas redes, como se quisessem mostrar que o país está entregue à violência, virou terra de ninguém. Isto é bobagem, sensacionalismo? Porém, mesmo diante de mais um espetáculo de barbárie coletiva, não faltou internauta sacando do estoque de irresponsabilidades o absurdo argumento de que a vítima teria culpa. Esses são exceções, é verdade, mas basta que existam para a gente se fazer aquelas clássicas perguntas: que país é este? Aonde vamos parar?
E que país é esse onde criminosos hediondos têm rostos, nomes, endereço e continuam insultando milhões de pessoas para as quais a impunidade se transformou no flagelo mais humilhante? E por que é tão fácil fazer das redes sociais palco onde barbáries são louvadas, quando o espaço poderia funcionar como uma tribuna para cidadãos manifestarem seu desejo de transformar o Brasil em algo melhor? Colocar a mão na consciência (quando se tem, é claro) já ajudaria muito, porém é mais fácil seguir batendo palmas para a violência do que ajudar a combatê-la, no mínimo não se manifestando de forma tão desastrosa. Mas parece ilusão esperar que essas pessoas venham a fazer o exercício que mais dá a dimensão do sofrimento alheio – colocar-se no lugar da vítima ou ao menos supor qual seria a própria reação ao ver um dos seus protagonizando tragédia semelhante. Talvez nem acreditem em tal possibilidade e aí já não são apenas inconscientes, mas ingênuos, também.
O lado do mundo onde a civilidade há muito aflorou como condição essencial de sobrevivência assiste a tudo isso com uma indignação que, infelizmente, está longe de ser a nossa. Aliás, não só assiste como reage. Quando na noite de 16 de dezembro de 2012 a universitária indiana Jyoti Singh, de 23 anos, saiu de um cinema em Nova Déli na companhia de um amigo e foi estuprada, em um ônibus, por cinco homens, incluindo o motorista e um garoto menor de idade, as reações tiveram dimensão tão grande que o governo perdeu o sossego durante um mês e se viu forçado a colocar as mãos nos criminosos. O episódio, inclusive, acabou se transformando em um documentário feito pela inglesa Leslee Udwin, Filha da Índia (India´s Daughter). Na terra de Ghandi, que ainda tem no machismo quase uma instituição nacional, uma mulher é estuprada a cada 20 minutos. No Brasil, uma a cada onze minutos – conta que, em 2014, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública acredita ter chegado a algo perto de 476 mil.
Um país que brigou pela honra de ser o primeiro da América Latina a sediar os Jogos Olímpicos deveria ser, também, o primeiro no continente a se preocupar em por fim à cultura do estupro, esta que assume várias formas e toma conta das ruas, da músicas, do cinema, da publicidade, da mídia, quase sempre como quem quer apenas passar recado divertido ou ingênuo. O que é isso! Em pleno século 21, já há razões de sobra para se entender a diferença entre crime e brincadeira de mau gosto. Para qualquer pessoa com ao menos um pouco de solidariedade humana seria no mínimo terrível tomar conhecimento do que aconteceu há quase um ano em Castelo do Piauí (PI), quando quatro adolescentes foram estupradas e atiradas de um penhasco. Mas, infelizmente, há quem veja a notícia como sensacionalismo, bobagem. Esperamos não seja o seu caso, leitor.