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Em mais um caso no Piauí, menina sofre violência sexual praticada por quatro homens

Luce Pereira (texto)
Samuca (arte)

Esta é uma época de perplexidades. Agora, tudo quer produzir nas mulheres a sensação de que regrediram cerca de um século àquele tempo em que o mundo seguia impactado com o naufrágio do Titanic. Ali, ainda eram submissas, recatadas, falavam baixinho e, por ser “do lar”, se expunham pouco aos perigos da rua. Ocorre que o machismo nunca deixou de olhá-las por esta fresta da História e hoje, pisando em terreno tão fértil, todos os dias manda um recado dos mais desaforados: se quiserem não fazer parte da aterradora estatística diária de estupros, devem continuar exatamente assim. Do contrário, serão sempre vistas como se acionassem um código de conduta entendido pelos violadores como porta aberta para a prática de um dos crimes mais covardes e atrozes. Estão longe de admitir que, donas dos seus corpos, destinos e narizes, elas não são obrigadas a se enquadrar em nenhum modelo de moral ou virtude para ter direito a ir e vir em segurança, como a Constituição assegura a qualquer pessoa.

Mas os criminosos não andam mesmo levando a sério a conquista desses espaços, certamente, também, por não ver, da parte do poder público, reação capaz de segurar a onda de crimes. Mesmo depois da enorme repercussão que alcançou o caso da carioca de 16 anos estuprada recentemente por 33 homens, na Zona Oeste do Rio – com o agravante de ter tido fotos e vídeos do abuso publicados na internet – os episódios seguem, despertando indignação apenas em mulheres e homens inconformados com o que chamam de “cultura do estupro”, esta na qual a culpa acaba sendo imputada à própria vítima. Ontem, o estado do Piauí apareceu com novo caso de estupro coletivo, desta vez praticado por quatro homens (três adolescentes e um adulto) contra uma menina de 14 anos. A madrasta teria chegado ao banheiro do ginásio do município de Pajeú (407 quilômetros de Teresina) no exato momento em que o grupo, todos despidos, rodeava a vítima desacordada. O adulto, 19 anos, foi preso e os menores, apreendidos, apesar da tentativa de fuga.

Naturalmente, a velha e esfarrapada desculpa dada em delegacias (estágio alcançado apenas quando os casos aparecem na mídia), que não resiste a algumas horas de investigação: teria havido consentimento. Aqui, o delegado Willame Morais, gerente de Policiamento do Interior, foi enfático, em entrevista sobre o caso: “É uma garota de 14 anos, possivelmente sob o efeito de bebida alcoólica ou outra substância, fatos que, por si só, caracterizam o estupro. E a vitima é menor de idade e estava inconsciente, o que tirou dela a liberdade de dizer sim ou não”. A adolescente teria dito à polícia que depois de ingerir coca-cola oferecida a ela durante o encontro havia perdido os sentidos.

A banalização deste tipo de crime anda tão grande que, em maio, o Piauí apareceu na crônica policial do país com mais dois casos. No dia 20, quatro adolescentes foram apreendidos e um rapaz de 18 anos, preso sob acusação de participação em um estupro coletivo a uma jovem de 17, em Bom Jesus, a 597 quilômetros de Teresina. A polícia encontrou a vítima amarrada e amordaçada com a roupa íntima. Uma semana depois, outros quatro menores e um adulto, depois de também estuprar quatro adolescentes, cortaram-lhes os pulsos, furaram mamilos e olhos e depois as atiraram de um penhasco de mais de dez metros de altura. Nenhum caso com punição exemplar – e assim o poder público não consegue mais do que passar a ideia de cumplicidade.

Ou seja, se a tendência do país é seguir abrindo cada vez mais espaço à barbárie, governos precisam se preparar para uma época de protestos e tentativa de justiça com as próprias mãos. Afinal de contas, é um meio que condiz perfeitamente com a postura dos estupradores, que julgam as mulheres como se elas estivessem na Idade Média.