Ciência condena e absolve alimentos, deixando consumidor sem saber o que de fato é saudável
Luce Pereira (texto)
Silvino (arte)
O sonho da longevidade tendo como ponto de partida uma alimentação saudável ronda incontáveis cabeças, mas, neste assunto, os brasileiros se acham apenas um pouco mais seguros do que alguém atirado à cova de leões nada simpáticos. O primeiro inimigo a conspirar contra esta tranquilidade é, naturalmente, o preço, ainda mais dos livres de agrotóxicos, porque não fazem parte de uma política nacional, são produzidos em escala ainda muito pequena, quase familiar. O segundo, quem diria, é a ciência. Numa hora, consumir tal coisa é ótimo para o corpo, noutra, transforma-se em sentença de suicídio a médio ou longo prazo, até a Organização Mundial da Saúde (OMS) santificá-la novamente. E de pesquisa em pesquisa, o consumidor ávido por garantir alguns anos a mais de vida acaba tentado a trocar o nutricionista por um analista.
Comer ou não comer? Eis a questão. Os últimos itens a serem absolvidos da fama de vilões foram o café e o mate, anteriormente acusados de provocar câncer. No último dia 15, consumidores contumazes dos dois produtos comemoraram a “inocência” deles, mas em termos, porque a agência da ONU logo adiantou que só não fazem um mal terrível ao esôfago se ingeridos em uma temperatura abaixo de 65 graus centígrados, alerta válidos para qualquer bebida. Ou seja, apaixonados que sempre resistiram bravamente ao preço e seguiram consumindo os dois produtos, agora são desafiados a provar sua fidelidade diante de xícaras mornas. Pior para os chineses, que engolem porções generosas de mate por dia a mais de 70 graus.
Os ovos, estes já perderam a conta de quantas vezes subiram aos céus e desceram ao inferno depois de pesquisas para avaliar o efeito deles sobre a saúde. De inimigo do bom colesterol a excelente fonte de proteínas, gorduras saudáveis e diferentes vitaminas e minerais, foram necessárias menos de duas décadas. Ele é agora olhado com bons olhos, assim como devem passar a ser o fígado de galinha e os mariscos, que estão sob avaliação e podem, embora com alguns arranhões na imagem, deixar a lista dos produtos preocupantes.
Mesmo a margarina, historicamente vista como inimiga da saúde, pode experimentar dias de liberdade surpreendente. Já um largo terreno de pesquisas a separa do tempo em que era execrada em comerciais de TV. Em um deles, famoso na década de 1960, uma dona de casa deixa o supermercado e abre o porta-malas para colocar as compras. Não vê que o pote de margarina rola para o fundo, lá ficando anos. A ideia do tempo transcorrido é levada ao telespectador através de imagens de eventos decisivos na história da humanidade. Eis que anos depois o novo proprietário do veículo descobre o pote com o conteúdo intacto e assim a peça acaba passando a mensagem desejada pelo governo para desestimular o consumo. Acreditava-se, à época, que uma vez em contato com as paredes do intestino, substâncias contidas nas margarinas demoravam a ser degradas. Bem, hoje ela é a preferida na maioria dos países desenvolvidos, porque está livre das gorduras hidrogenadas, no entanto, nem neste caso o terreno parece seguro. Produtos à base de gordura vegetal não estão vetados, mas apenas se no rótulo aparecer a indicação de que ela é “parcialmente” hidrogenada.
A dieta vive mesmo sob liberdade vigiada e é sempre a mão da ciência a bater o martelo sobre se um alimento sai ou entra na cesta de pobres consumidores animados com a possibilidade de viver mais. Batatas deixaram de ser consideradas “lixo” gastronômico depois de se revelar importante fonte de carboidratos e de algumas vitaminas, os lácteos seguem na corda bamba e as frutas secas cruas foram redimidas depois de estudo publicado no British Journal of Nutrition, demonstrando que consumi-las reduz a morte por qualquer causa, as doenças cardiovasculares e coronárias, e a morte súbita cardíaca. Ou seja, saudável mesmo é fugir dos excessos.