28.06

Sargento pula em jaula de ariranhas e salva criança da morte: o que aconteceu 39 anos depois.

Vandeck Santiago (texto)
Aris Messinis/AFP (foto)

O que acontece com as pessoas salvas da morte pelo heroísmo de outras, que muitas vezes arriscam a própria vida para salvá-las? Ninguém pesquisou isso até agora, mas uma história extraordinária ocorrida em Brasília coloca o assunto em evidência. Aconteceu assim: o 2º sargento do Exército Silvio Delmar Hollenbach passara no vestibular de agronomia da Universidade de Brasília e para comemorar levou a mulher e seus quatro filhos ao zoológico. As crianças tinham entre 1 e sete anos. Quando estavam indo embora, o sargento escutou uma gritaria. Um garoto de 13 anos escalara a grade do fosso onde ficavam as ariranhas, foi puxado por um dos animais e caíra lá dentro. Ariranhas são mamíferos; só atacam humanos quando sentem seu território “invadido” ou seus filhotes ameaçados. Medem até 1.80 de comprimento, em idade adulta.
Diversas pessoas assistiram à cena, mas só uma pulou para salvar o menino: o sargento Silvio Hollenbach. Ele conseguiu tirá-lo de lá, sem que o menino sofresse maiores ferimentos. Mas o sargento levou mais de 100 mordidas. “Eu não podia deixar uma criança ser devorada sem fazer nada”, disse ele. Morreria três dias depois, no hospital, em decorrência dos ferimentos. Deixou mulher e os quatro filhos menores. O ato heroico do sargento aconteceu há 39 anos – exatamente em 27 de setembro de 1977, no Zoológico de Brasília. Lembro-me bem; na época o Brasil inteiro acompanhou o caso e torceu para que o sargento sobrevivesse.
E o menino, que destino teve o menino? A família do sargento diz que nesses 39 anos nunca ouviram dele sequer um “obrigado”. Não tiveram contato. Até que sexta-feira escutaram o nome dele no noticiário: Adilson Florêncio da Costa. Ele foi preso pela Polícia Federal em Brasília, por suposto envolvimento em um esquema que desviou R$ 90 milhões de fundos de pensão. Adilson é ex-diretor do Postalis, o fundo de pensão dos Correios. Seu advogado disse que a prisão é ilegal e que ele é inocente.
Ao tomar conhecimento da prisão, a viúva do sargento “chorou”, disse o filho mais velho do casal, Silvio, o que tinha 7 anos quando o pai morreu. Ele falou com o Correio Braziliense, que fez a ligação entre o Adilson preso agora e o caso de 39 anos atrás. “As escolhas que a gente faz, a gente tem que responder por elas. O que importa nesta situação é que independentemente de ter sido o Adilson, de quem fosse, o pai faria a mesma coisa. Independentemente de quem fosse e independentemente do que viesse acontecer depois, ele agiria assim”, afirmou Silvio, que hoje é médico otorrinolaringologista. O destino dos outros três filhos: Paulo Henrique, de 44 anos, é analista de sistemas do Banco Regional de Brasília (BRB); Bárbara Cristina, 42, é advogada em Porto Alegre; Débora Cristina, 39 anos, é professora na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Heróis são pessoas comuns que agem de forma incomum diante de situações extraordinárias, explica o professor norte-americano Philip Zimbardo, especialista no estudo de atos de heroísmo. São os que agem quando todos ficam passivos, e que agem de modo sociocêntrico, não egocêntrico, afirma ele, autor de um celebrado livro na área da psicologia social, O efeito Lúcifer: como pessoas boas se tornam más (Editora Record). Um dos exemplos preferidos dele assemelha-se ao do sargento: é o de um trabalhador de construção, negro, Wesley Auder, que em 2 de janeiro de 2007 esperava o metrô em Nova York, acompanhado de duas filhas menores. De repente, um jovem de 20 anos, branco, tem um ataque epiléptico e cai atravessado sobre os trilhos. Havia 75 pessoas na estação, vendo a cena. Todas ficaram paralisadas – menos Wesley, que pede a um estranho para cuidar por enquanto de suas filhas e salta para salvar o jovem, quando o trem – de 370 toneladas – já se aproximava. Ele só tem tempo de colocar o rapaz entre os trilhos e deitar-se sobre ele. Os dois corpos, um sobre o outro, tinham uma altura de 51 centímetros. O trem passa por cima deles a uma altura de 53 centímetros. Apenas dois centímetros de distância; chegou a manchar de graxa o boné que ele usava.
Não importa que destino tiveram e terão as vidas salvas pelo heroísmo do sargento Silvio Delmar Hollenbach e do trabalhador Wesley Auder. Não importa se desperdiçaram ou desperdiçarão a segunda chance que tiveram. O que importa é o exemplo extraordinário, inspirador, grandioso deixado por ambos. Eles são a confirmação de que a ação de um é suficiente para vencer a omissão e a indiferença da maioria.