Largo e Igreja do Corpo Santo em 1863 - Litografia de Luís Schlappriz - A Rua do Encantamento quase desembocava nela

Largo e Igreja do Corpo Santo em 1863 – Litografia de Luís Schlappriz – A Rua do Encantamento quase desembocava nela

O Recife é uma cidade cheia de personagens de meter medo. Por isso é que um passeio de barco, intitulado Catamaran Assombrado, vem fazendo tanto sucesso aos fins de semana que entrou de vez no calendário turístico da capital pernambucana, contando histórias do Papa-figo, do Boca de Ouro e da Emparedada da Rua Nova. Este trio, incorporado pela Companhia Pernambucana de Teatro, até visitou a redação do Diario. O jornal registrou estas histórias fabulosas e também muitas outras, depois documentadas em livro pelo sociólogo Gilberto Freyre.

Entre os fantasmas genuinamente recifenses está a mulher que apareceu para um religioso nos princípios do século 18. Graças à narrativa engenhosa do frei José do Belmonte surgia a lenda da Rua do Encantamento. Reportagem publicada no Diario de Pernambuco de 23 de novembro de 1969, assinada por Flávio Guerra, esclarecia aos leitores a verdadeira história desta assombração.

O frei não era um religioso dos mais tradicionais. Costumava tirar o hábito e sair à noite disfarçado para passeios na área onde hoje é o Recife Antigo. Em uma de suas andanças, perto da Rua da Cadeia, viu uma mulher bem trajada, toda de preto, descer de uma cadeira carregada por dois fortes homens negros. Curioso, ele tentou se aproximar da criatura, seguindo-a por ruas e ruas. Até que ela entrou em uma via até então sem nome, conhecida apenas como “a rua que vai por detrás da Cadeia para a Ponte”.

A mulher entrou em sobrado estreito de dois andares e o frei a acompanhou pela escada até que, na porta, pediu também para entrar. Permissão concedida, tentou conquistá-la e até a beijou. Só que de repente a mulher apareceu deitada em um caixão. Tremendo de medo, o religioso rezou uma oração, pendurou o seu terço em um prego na parede e desceu as escadas correndo.

No convento, confessou-se com o frade mestre, cheio de arrependimento e terror. No dia seguinte, frei José, seu superior e outro frade foram ao local indicado. Souberam de um bodegueiro que o sobrado estava desabitado desde que a esposa do intendente Muniz Fagundes faleceu, tendo o marido retornado a Portugal. Lá dentro estava o terço pendurado.

Frei José teria ficado louco e a rua passou a ser conhecida como a “do Encantamento”. Em 1773, mapa já citava a via estreita como Rua do Encantamento. Resistiu até o início do século 20, quando desapareceu nas obras de ampliação do Porto do Recife.