A primeira vez que ele teve seu nome publicado em um jornal foi em forma de conselho. No dia 18 de abril de 1970, Tio Joca, “editor” do suplemento Júnior do Diario de Pernambuco, pedia que o futuro jovem colaborador enviasse os seus textos datilografados. “A próxima estória faça uma forcinha para passá-lo na máquina. Aguarde publicação”. Três meses depois, um artigo sobre a conquista da taça Jules Rimet pela seleção brasileira na copa do México trazia uma assinatura que se tornaria conhecida: Geneton Moraes Neto.

Aos 14 anos de idade, aluno do 4º ano ginasial do Colégio Carneiro Leão, no Recife, Geneton rapidamente se “incorporou” ao Diarinho, com um novo texto publicado semanalmente. Entrevistou Bita, ídolo do Náutico, escreveu sobre poluição, glorificou Oscarito e até “flertou” com o regime militar, criticando o terrorismo, apostando na Transamazônica e atuando como professor mirim do programa “Década da Educação”.

Geneton Moraes Neto continuou na redação do Diario, desta vez como repórter iniciante. Entre suas façanhas, um texto sobre o cantor Gilberto Gil onde o cantor baiano atacava o regionalismo e defendia um som universal (em setembro de 1973) e a última entrevista do matemático e escritor Malba Tahan, que faleceu doze horas depois de conversar com o estagiário de 17 anos de idade.

Experiências que Geneton levou para o mundo. Do papel para a TV, exerceu o seu ofício de caçador de declarações dos outros. Escreveu livros, preparou dossiês, colocou muitos entrevistados literalmente na parede – principalmente os figurões da ditadura – e tornou-se documentarista com direito a exibição no cinema.

Mesmo assim, nunca abandonou o Diario. Por telefone ou e-mail, elogiava textos publicados, cadernos como o Aurora, até postagens do blog, como os que lembravam o anedotário da antiga redação no palacete da Praça da Independência. Deixou, no ano passado, o seu depoimento para o especial dos 190 anos do jornal. Acostumado a ficar por trás da câmera, apresentou o lado simpático de um jornalista que era uma fera. Por isso mesmo, deixou a sua marca.

Geneton Moraes Neto entrevista Caetano Veloso para o Diario de Pernambuco, em 1971

Geneton Moraes Neto entrevista Caetano Veloso para o Diario de Pernambuco, em 1971

A ÚLTIMA FALA, O PRIMEIRO SUSTO (Entrevista com Malba Tahan)

“Deve ter sido o primeiro susto que tive no jornalismo. Repórter iniciante, eu tinha meus dezessete anos de idade. Trabalhava no Diario de Pernambuco à tarde e fazia o primeiro ano de jornalismo na Universidade Católica à noite. Quando cheguei para trabalhar, pouco antes das duas da tarde, o então chefe de reportagem, Ricardo Carvalho, me perguntou, ansioso: “Você guardou alguma coisa da entrevista com Malba Tahan ou usou tudo na matéria que saiu no jornal de hoje? “.  Respondi com uma pergunta: “…Mas por quê?”. E ele: “O homem morreu! Teve um enfarte no hotel! Fulminante!”. A incredulidade se instalou no ar. Só havia uma coisa a dizer: “O quê? Não é possível!”. Mas era: o escritor que me dera entrevista poucas horas antes, na sede do Diário de Pernambuco saíra do jornal para morrer num quarto de hotel, em Boa Viagem.
Eu tinha entrevistado o escritor Malba Tahan no final da tarde do dia anterior, na sala do então superintendente do jornal, Gladstone Veira Belo. A lembrança é clara: eu estava me preparando para deixar a redação e ir para a aula quando fui convocado a comparecer à sala da direção para entrevistar um visitante. Em situações normais, os pobres dos repórteres reagem com um muxoxo quando são  chamados a fazer as tais entrevistas com visitantes ( em geral, autoridades que dificilmente pronunciarão algo de relevante numa “visita de cortesia” aos bravos rapazes da imprensa…). Mas ali era diferente.
Posso até ter reagido com um muxoxo, mas o visitante era uma espécie de “ídolo” literário dos meus tempos de infância: eu tinha lido, para um trabalho escolar, o livro “O Homem que Calculava” ( ou terei ganhado de presente um exemplar? Aqui, minha memória claudica miseravelmente ). Depois, um exemplar de Maktub fora parar em minhas mãos. Maktub – a gente logo aprendia – queria dizer “estava escrito”. A palavra “maktub”, portanto, carregava um certo peso dramático: parecia avisar que a vida pode ser regida por maquinações indecifráveis do destino.
Os livros falavam de mundos mágicos e misteriosos, personagens que se moviam por paisagens orientais de uma beleza cintilante. O nome Malba Tahan tinha o poder de deflagrar, num passe de mágica oriental, essas lembranças “literárias”. E lá estava ele: efusivo, entusiasmado, falava da visita ao Recife como se fosse marinheiro de primeira viagem. Guardei um detalhe: Malba Tahan trajava um paletó quadriculado. Fora visitar o Diário, na Praça da Independência, em companhia da mulher. Voltei às pressas para a redação para redigir a entrevista que seria publicada no dia seguinte. Zarpei para a escola. O escritor seguiu para o hotel. Estava escrito que aquelas seriam as últimas horas do autor de Maktub. Estava escrito que Malba Tahan, na verdade, nunca existiu: era apenas o pseudônimo de um professor de matemática carioca chamado Júlio César. Jamais visitara o Oriente. Que importa?

O que interessa é que tinha virado sinônimo de mundos mágicos, distantes, inalcançáveis. Estava escrito que, lastimavelmente, aquela seria a última fala de Malba Tahan – e o primeiro grande susto do jovem repórter. Estava escrito: maktub,. maktub, maktub.”