30.08

Em um futuro próximo veremos o dano que causaram e a manipulação em suas divulgações.

Vandeck Santiago (texto)
Euler Junior/Estado de Minas (foto)

Faz dois anos que assistimos a constantes vazamentos de delações e de detalhes das operações da Polícia Federal na Lava-Jato. Até a velhinha de Taubaté sabe que esse tipo de ato não é movido por interesse patriótico ou por indignação ética de quem quer que seja. Nada disso – os vazamentos são arma política utilizada para atingir A ou B, para pressionar A ou B, para revidar ataques ou para criar ambientes favoráveis a determinadas situações.
Antes tarde do que nunca, eles agora começaram a ser questionados diretamente por autoridades do porte de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), como Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso. Dado o peso que tem o questionamento de um ministro do Supremo, o caso acabou gerando uma crise entre Gilmar Mendes e os procuradores da Lava-Jato. A ponto de ontem os integrantes da força-tarefa da operação, em Curitiba, e o grupo que assessora o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, liberarem nota sobre o assunto.
O fato desencadeador da crise foi um vazamento que atingiu não um político do partido A ou B, mas um ministro do STF, Dias Toffoli: em matéria de capa a revista Veja do final de semana passado trouxe uma suposta citação ao ministro, informando que o presidente da construtora OAS, Léo Pinheiro, o teria mencionado em delação. De acordo com a revista, o empreiteiro teria incumbido técnicos de analisarem uma obra na residência de Dias Toffoli. Em seguida, teria indicado uma empresa que faria o serviço. Vejam vocês que estou utilizando o verbo “ter” no sentido condicional, que é o modo no qual são aplicadas as informações provenientes dos vazamentos – como ninguém tem certeza sobre a veracidade do caso, usa-se o condicional. O problema é que esse tipo de informação ganha destaque e é tratado com a solenidade que se dedica a fatos verdadeiros – pode virar capa de revista, por exemplo.
Não há nenhum fato, nenhuma comprovação de que o ministo Dias Toffoli praticou ou se beneficiou de um ato ilícito. Mas o estrago contra ele já foi feito… Em 2014, quando começaram os vazamentos da Lava-Jato, o então presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais, Jones Leal, fazia um alerta que não foi levado em conta naquela época nem depois. Destacava um aspecto perigoso do vazamento de detalhes das ações da Polícia Federal: muitas vezes as informações vazadas diziam respeito a uma etapa preliminar da investigação, no terreno da denúncia. No transcorrer dos inquéritos, nem todas as denúncias se comprovam, alertava ele. Mas, a essa altura, o alvo dos vazamentos já foi devidamente execrado, e o episódio já teve seus desdobramentos políticos, chegando – em muitos casos – a interferir na vida política.
Estes vazamentos são todos seletivos – não são aleatórios; são direcionados, têm alvos escolhidos. Eles criam um ambiente propício a medidas ou reações contrárias aquilo que seria (olha aí, o condicional…) a revelação de alguém cometeu ou beneficiou-se de uma irregularidade. Quem tem a informação a ser vazada, detém o poder de interferir na realidade, como reconheceu o próprio ministro Gilmar Mendes. “Essa gente passa a ter um poder enorme em cima de vocês [jornalistas]. Quem tem essas informações coletadas, passa a ter um poder imenso, inclusive direcionar para onde vão as imputações. Precisa ser racionalizado, precisa ter responsabilidade. Quem tem poder tem que ter responsabilidade”, disse ele. Sem citar nomes, Gilmar chegou a dizer que “é preciso colocar freios” na atuação dos procuradores da Lava-Jato.
Agora, voltando à nota de ontem da Força-tarefa da Lava-Jato e do grupo de trabalho de Janot: ela é a confirmação do uso que se pode fazer dos vazamentos. A nota diz, por exemplo, que a divulgação da citação ao ministro Dias Toffoli, que acabou na capa da revista, “revela uma tentativa de forçar os investigadores a aceitar a colaboração mediante pressão externa” e “aponta para a possibilidade de ter ocorrido má-fé na negociação do acordo”. Afirma ainda que “jamais foi entregue ao Ministério Público o relato do fato que foi veiculado na imprensa há uma semana, ou qualquer prova em relação a ele”. Vejam a gravidade da situação: “má-fé” de um lado, e a revelação de que aquela informação que gerou uma capa de revista “jamais foi entregue ao Ministério Público”.
Os vazamentos frequentes nos dois últimos anos impactaram diretamente a nossa vida política. Em algumas ocasiões, foram determinantes para o desfecho que elas tiveram. Em futuro próximo, quando estiver criado o ambiente para as investigações imparciais sobre o que está acontecendo, veremos os danos que eles causaram e a manipulação por trás das suas divulgações.