02.09

Nova campanha incentiva mulheres a fazerem registros de abusos sofridos em transporte coletivo.

Silvia Bessa (texto)
Annaclarice Almeida (foto)

Só no dia de ontem três mulheres procuraram informações por meio do 0800 281 8187, linha telefônica da Ouvidoria das Mulheres de Pernambuco, em busca de orientação sobre assédio sexual em transporte coletivo. É um número expressivo considerando que este é o resultado de menos de 24 horas da nova campanha que visa coibir ofensas daqueles que atentam ao pudor ou até praticam estupro tentado ou consumado. Por constrangimento ou por banalização do crime enraizado na cultura, sabe-se que as vítimas quase nunca registram um boletim policial para notificar o ocorrido. Mas toda mulher tem um relato consigo ou com uma conhecida dessa ordem. Uns piores que outros.
Agora parece que há a disposição de um conjunto de instituições a fim de reduzir o que vigora e dar o valor real à prática ocorrida em ônibus e metrôs do Recife, sobretudo aqueles com grande aglomeração de pessoas. Tomara que tudo funcione como previsto porque, assim, quem sabe daqui a um ano teremos não só homens – antes impunes – presos como passaremos a contar com estatísticas sobre as linhas de transportes mais vulneráveis da cidade, os horários mais comuns das ocorrências, o perfil dos agressores e das vítimas. Em cada ônibus da frota e terminais será colado cartaz fazendo o alerta para denúncias e divulgando o número para orientações. Estará igualmente em escolas e empresas públicas e privadas. Foram impressos 14 mil cartazes.
O que as atendentes dizem se você for discar para o 0800 281 8187, impresso no cartaz da campanha? Em se tratando de ocorrência relatada, a Secretaria da Mulher promete acompanhar o caso e ajudar na identificação do agressor por meio de câmeras de segurança dos ônibus. No caso de orientação: recomenda que a mulher tenha o cuidado de anotar a numeração de três dígitos do ônibus, data, horário e proximidades onde o abuso ocorreu. Detalhes sobre roupa e tipo físico do agressor são fundamentais. Ouvirão ainda que não só as unidades da Delegacia da Mulher recebem denúncias. Elas podem ser feitas em qualquer delegacia. A delegada Inalva Regina, que integra a equipe gestora da campanha, enviou ofício para todos os delegados apelando para que sejam atenciosos a casos desse tipo.
Esse ponto da sensibilização dos agentes, na minha visão de mulher, é um ponto importantíssimo para quebrar uma das barreiras que existe antes da denúncia. Teme-se que o relato seja ignorado ou minimizado por agentes de polícia. Outro item que merece destaque diz respeito aos profissionais que atuam no transporte coletivo.
Há a previsão de que 12 mil motoristas, fiscais, cobradores e cobradoras passarão por uma capacitação junto à Secretaria das Cidades através do Grande Recife Consórcio de Transporte (CTM) e Urbana-PE. Nenhuma turma, no entanto, foi formada. Segundo informações da Secretaria da Mulher, o cronograma das aulas depende da grade de formação dos profissionais disponibilizada por parceiros da área de transportes. Também no campo das promessas, e existe um universo grande de consumidoras que certamente serão beneficiadas, está a fixação de quatro câmeras de vídeo em cada um dos veículos da frota. Parte fundamental do projeto, as câmeras podem fornecer o essencial para a comprovação do crime de assédio nos coletivos: a prova do abuso.
Com a prova do abuso e o fim da impunidade para os primeiros, aí sim, teremos um caminho mais claro para um crime que está no rol daqueles tidos como simples, mas comuns. Estatísticas parecem frias aqui nesse artigo, contudo são necessárias para dimensionar o que se vive nas ruas: pesquisa do Instituto Datafolha, divulgada em final de 2015, mostra que 35% das brasileiras dizem já ter sido alvo de algum tipo de assédio no transporte público, tenha sido físico (22%), verbal (8%) ou de ambos (4%). Ou seja, vítimas das conhecidas encostadas, mãos nada bobas ou sussurros indecorosos.
Em virtude dos números, é bom frisar: a linha telefônica 0800 281 8187 disponibilizada pela Secretaria da Mulher de Pernambuco atende 24 horas de domingo a domingo. A ligação pode ser via celular ou telefone fixo e é gratuita.