26-09

Nova Jerusalém, maior teatro ao ar livre do mundo, completará seu cinquentenário no próximo ano.

Urariano Mota (texto)

O leitor perdoe o título ufanista, uma forma de ser do Recife. Mas esse modo recifense não é o motivo. A explicação vem do Brasil destes dias. A gente anda tão abatido pelo golpe, tão cabisbaixo pela crise da recessão a que a política reacionária da Lava-Jato nos levou, que é preciso levantar os olhos para a luz da grandeza mais perto de nós, que muitas vezes não vemos.
Todos sabem, e nunca será demais repetir que é do Recife a primeira sinagoga das Américas, levantada pelos judeus recifenses que depois criaram Nova York. Todos sabem que neste chão fértil vingou uma árvore de poetas que honram a poesia brasileira, de Manuel Bandeira a João Cabral, passando por Solano Trindade, Mauro Mota, Joaquim Cardozo, Carlos Pena Filho, Ascenso Ferreira e Alberto da Cunha Melo. Esses poetas vêm sem consulta ao Google, basta a invocação da memória afetiva, maior e mais segura. E não quero nem me lembrar do carnaval de maior participação popular do planeta, ou do cinema de Kleber Mendonça Filho. Nem mesmo falar do genial João do Caldíssimo, que de Água Fria atraía para o seu caldinho de feijão e cachaça os artistas de todo o Brasil.
Penso agora em Nova Jerusalém, em Fazenda Nova, na encenação monumental da sua Paixão de Cristo. Penso no resultado de forças vindas do pioneirismo de Plínio Pacheco, que era apaixonado pelo teatro, que mergulhou nessa paixão Diva Pacheco e ampliou o coração no agreste seco de Pernambuco, criando o maior teatro ao ar livre do mundo.
As informações gerais num piscar de olhos informam que Nova Jerusalém é o maior teatro a céu aberto do mundo, com nove palcos, muralha de 3.500 metros, 70 torres em 100 mil metros abertos para a encenação anual da Paixão de Cristo. Mas eu prefiro falar do que vi há mais de um ano. A memória da gente é seletiva, isso todos sabem. Mas antes dela, a seleção é feita pelos olhos, que dirigem a nossa câmera íntima para o particular, nunca para o todo. Na verdade, no detalhe, no que nos impressiona e se guarda é que está o reflexo do total. Assim, em Nova Jerusalém primeiro me impressionou a pessoa de Robinson Pacheco, mais conhecido por Robinho, o filho que herdou a obra de Plínio Pacheco. Não pelas características físicas de indivíduo louro, olhos claros, atarracado, comandante e organizador do espaço imenso de Fazenda Nova. Esses exteriores, creiam, em mim não geravam uma aproximação.
Nele, guardei primeiro o justo orgulho que possui do pai, um intelectual gaúcho pernambucanizado que falava “a vida me colocou diante da pedra e da figura de granito que é o homem nordestino. Este é meu povo, cantando num cenário de sol”. Em segundo lugar, vi a pessoa que gosta de fazer amigos, – logo eu, que não sou um primor de sociabilidade. Depois, a revelação de ver Robinho cantar aboio com um sentimento e voz de ir às lágrimas, ao entoar a tragédia do amor de um vaqueiro. Nesse ponto, já me encontrava esquecido do que era exterior da sua pessoa. E tanto, que no calor do entusiasmo lhe pedi o papel de Barrabás na Paixão de Cristo. Eu queria ser o bandido libertador contra a opressão de Roma, pensava. E Robinho, ao me ver de barba, com a pele de mulato da Palestina, aceitou. Mas diplomático propôs:
– Não é melhor você ver o espetáculo antes?
Assim foi. À noite, antes da magnífica ressurreição de Jesus Cristo, eu vi um indivíduo barbado, fedido e mal pago, que de braços abertos parecia mais espantar passarinho em roçado. Era Barrabás. E desisti de aparecer na Paixão de Cristo. Mas quem não pode ser bandido heroico, pode ao menos louvar o que é digno de ser louvado.
Então envio estas linhas para Nova Jerusalém, maior teatro ao ar livre do mundo, no ano da véspera do seu cinquentenário.