19-10

Garoto se enforca ao simular preço que pagaria por ter perdido a partida de um game e então país desperta.

Luce Pereira (texto)
Arquivo pessoal (foto)

Entende-se: o senhor e a senhora, pais modernos, desejam criar os filhos dentro da perspectiva de que a privacidade é um direito e como tal precisa ser preservada a qualquer custo. Certo, mas quando eles já forem adultos, conscientes e, de preferência, já sabendo andar com as próprias pernas. De acordo com psicólogos, a teoria deve mesmo mudar de figura quando se aplicar a crianças e adolescentes, pessoas que ainda não tiveram o desenvolvimento físico e mental completado, portanto, ainda sem a capacidade de distinguir os limites entre fantasia e realidade. Neste caso, o perigo exige atenção redobrada e invasão de privacidade não pode ser tida como abuso, mas como cuidado. Foi a orientação que faltou à família Riveiros Detter, de São Vicente, no litoral paulista, surpreendida com um fato trágico, o primeiro registrado na Baixada Santista – a morte do garoto Gustavo, 13 anos, que jogava o Jogo do Enforcamento, da Asfixia ou do Desmaio, como é popularmente conhecido o The chocking game, no quarto do pai. Depois de perder a partida e instigado por três outros meninos que assistiam a tudo do outro lado da tela, por uma webcam, pegou a corda presa ao teto para sustentar um saco de treinamento de boxe, enrolou no pescoço, prendeu a respiração e perdeu os sentidos. Ainda chegou a receber socorro, depois que a prima que estava no quarto ao lado foi avisada pelo trio de espectadores, mas faleceu em menos de 24 horas.
A proposta desse jogos, que invadem o mercado a cada mês, acaba encontrando ambiente perfeito para seduzir os jovens quando eles não estão sendo observados o tempo inteiro pelos pais. Na era das redes sociais, em que tudo se transforma em influência – má, na maioria das vezes – isso chega a funcionar praticamente como uma permissão para que o risco adentre quartos onde apenas os “aventureiros” se encontram a postos e dispostos a enfrentar qualquer desafio, sem a dimensão exata do perigo que os rodeia. Tão grande e tão frequente que nos dias 6 e 7, em Fortaleza (CE), o Instituto DimiCuida realizou o 2º Colóquio Internacional no Brasil sobre Brincadeiras Perigosas, a fim de debater técnicas de prevenção a partir do perfil psicológico dos usuários desses jogos e com foco em pais, educadores e agentes de saúde e segurança. Mais uma vez, foi reforçado que quem adere a este tipo de diversão não faz ideia da ameaça que ela representa – se não mata, pode deixar sequelas graves. “Com uma educação de saúde voltada para a conscientização do mecanismo de respiração e o que ocorre quando este sofre, há evidências estatísticas de redução da prática”, disse a psicóloga da instituição, Fabiana Vasconcelos.
Evidentemente, um caso que faz parte de números ainda muito resumidos no país chamou a atenção, sobretudo, de pais de adolescentes habituados a relaxar quando os filhos estão no computador ou com um smartphone à mão. Foram levados a refletir sobre o comportamento que devem ter em relação à aquisição dos tais jogos e ao sinal verde dado para a prática deles, embora os jovens disponham de outros espaços, não apenas o doméstico, incluindo a própria escola. Neste caso, a discussão também passou a envolver educadores e a direção, que deveriam usar de rigor absoluto para impedir o acesso a esses games nas dependências dos estabelecimentos. Para a polícia, depois de verificado o conteúdo do telefone celular, ficou claro que Gustavo Riveiros Detter já vinha jogando o game que o levou à morte.
Diante de fatalidades que causam impacto – pela forma como ocorreu e pela pouca idade da vítima – a clássica pergunta “de quem é a culpa?” ganha contornos de caça às bruxas. Mas num país onde prevenir nunca foi melhor do que remediar, o erro é de todos, inclusive da falta de meios que imponham limites e regras à venda desses games, não obstante o Brasil viver numa economia livre de amarras em relação a práticas normais de consumo. O mínimo, agora, é ampliar o debate e apelar para a consciência dos pais, afinal, é sob a responsabilidade deles que crianças e adolescentes estão.