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Acidente aéreo do Chapecoense tira de cena jogadores que são referência para crianças e jovens.

Silvia Bessa (texto)
Hesiodo Goes/Esp.DP (foto)

Faz pouco tempo que o pessoal do Elegância Futebol Clube, só conhecido em Abreu e Lima, recebeu um padrão completo e novinho do Chapecoense. Foram 22 camisas, calções, meiões…Mais que o time da moda em razão da bela campanha de superação construída, saindo da Série D para a Série A do Campeonato Brasileiro em apenas cinco anos, o time catarinense era o time dele, do ídolo das redondezas de Caetés III. Ele, Cléber Santana, jogador de 35 anos que ali se criou e que fazia questão de manter suas raízes. Cléber mandou o material esportivo para os conhecidos do Elegância, time da periferia que ele ajudou a fundar. Urá, um amigo-irmão de Cléber da época de pelada, recebeu a caixa do orgulho.
Urá, apelido do funcionário público Evandro Marcolino (39 anos), falava quase todos os dias com Cléber. Domingo passado conversou com ele sobre o grande e tradicional encontro de final de ano. A previsão era de que Cléber chegasse dia 19 de dezembro para as férias. Os amigos e os jovens do bairro o esperavam. Cléber era capitão do Chapecoense e foi uma das vítimas do trágico acidente aéreo que matou 71 pessoas na última terça-feira, incluindo jogadores, dirigentes, equipe técnica e jornalistas. “Em Caetés, Cléber era um espelho. Era alguém que se admirava, que os outros meninos queriam seguir porque tentar ser um grande jogador todo mundo tenta, mas nem todos conseguem”, diz Urá. “Aqui todo mundo sentia uma alegria muito grande pelas conquistas dele”.
Aos garotos, o atleta famoso formado nas categorias de base do Sport e que passou por outros importantes clubes brasileiros, do Japão e da Europa, distribuía incentivo e motivação para que participassem de testes em times de futebol. Insistia dizendo que era preciso buscar uma carreira que garantisse o futuro. “Ele fazia a alegria dos meninos e tinha a simplicidade como característica”. Urá está desolado. Como ele, uma legião de crianças e jovens terá de lidar com a ausência de uma forte referência de vida.
Afora a família e o sonho naufragado de uma cidade inteira – Chapecó, em Santa Catarina – o vácuo que ídolos como Cléber deixam no imaginário de jovens de periferia ou de áreas pobres do Brasil é um aspecto relevante nesse triste episódio. Cléber não é o único oriundo de família humilde, nem o único dos 22 jogadores mortos que treinava em campos de várzea. Ele representava o perfil de uma maioria de jogadores brasileiros bem-sucedidos em suas carreiras.
Fico imaginando como é a cabeça de uma criança ou de um adolescente que vive cercado pela pobreza, vê a luta dos pais e familiares para terem o básico, comida em casa, vestimenta e escola de qualidade e tem na rua seguinte um rapaz nas mesmas condições que conseguiu suplantar todas as dificuldades com talento, determinação e um pouco de sorte. Penso em como esse exemplo de trajetória serve de esperança para que um dia, quem sabe, o destino ilumine outra vez o mesmo lugar e mais um nome da localidade vire manchete de jornal.
Acho que o impacto da morte prematura de Cléber e dos seus 21 amigos não pode ser mensurada de forma tradicional. Eles tinham fãs como jogadores e fãs enquanto profissionais que conseguiram êxito. Os fãs estão em Caetés III, Abreu e Lima, Pernambuco e em centenas de campos de terra batida espalhados pelo país. São meninos e jovens que perderam inspirações importantes para brigar por um futuro melhor.