02-12

 

Homenagem prestada pela Colômbia, quarta-feira, aos mortos do clube catarinense emocionou o Brasil.

Luce Pereira (texto)
Arte sobre foto de Daniel Isaia/Agência Brasil (imagem)

Nem mesmo a tragédia é de todo má, porque consegue despertar nas pessoas o absolutamente luminoso sentimento de solidariedade. Convenhamos, entre nós ele andava obscurecido pela repetição dos “pesadelos” nacionais, que, sendo tantos e quase diários, passam a impressão de ter efeito de anestésico sobre a maior parte dos habitantes. Mas a inesperada e dolorosa perda do time da Chapecoense, na madrugada da última terça-feira, quando o avião que transportava a equipe para Medellín (Colômbia) chocou-se contra uma montanha, matando 71 pessoas, trouxe-o de volta – além disso, com muita força. E, como por milagre, como sempre acontece quando existem perdas impactantes e violentas, voltamos a ser todos um, neste caso, todos a “Chape”. Deixamos à parte até os próprios dramas pessoais – que diante de algo grave assim parecem diminuir de tamanho – para sentir a dor de quem de fato perdeu tesouros, importâncias, promessas de futuro. Também é um gesto de solidariedade conosco mesmos, reconhecer, ante aquilo que comove pela brutalidade extrema, o quanto tendemos, de um modo geral, a supervalorizar problemas cotidianos, sobretudo os de ordem emocional.
Solidariedade à flor da pele, se existiu um dia em que passamos a amar os colombianos foi 30 de novembro de 2016. Teve até hora e local: Estádio Atanasio Girardot, Medellín, 21h15 (horário de Brasília), momento em que seria iniciada a partida de ida da final da Sul-Americana entre o Atlético Nacional e o Chapecoense. Nenhum lugar disponível, multidão com celulares acesos e pedindo para o título de 2016 pertencer ao time abatido pela fatalidade, e então ali a gratidão se transformou em amor. Existem, sem sombra de dúvida, amores que duram enquanto dura o sentimento de solidariedade, mas uma coisa é certa: os brasileiros se emocionaram tanto ante o gesto dos colombianos que dificilmente não terão adicionado uma generosa porção de simpatia às relações com esses vizinhos. Depois daquilo, acrescentamos mais um “somos todos”: somos todos Colômbia. Lembremos que o acidente aconteceu numa época em que, por pelos menos um par de razões, estamos muito fragilizados: a política, impiedosamente se encarregando de matar de desgosto, e o Natal à porta, uma época cheia dos maiores simbolismos, que naturalmente comove.
No entanto (e ironicamente), as grandes tragédias também despertam em certos indivíduos o que de mais mesquinho têm – a falta da mesma solidariedade e, consequentemente, de respeito à dor das famílias. A onda de boatos que inundou o mundo virtual, além de imagens do que supostamente seriam os restos mortais das vítimas, chegou a níveis intoleráveis: tais times e tais jogadores doariam tantos milhões para o renascimento do clube; esta e aquela instituição estariam dispostas a empreender esforço extraordinário para ajudar na formação de uma nova equipe. Francamente. Isto sem falar nas tentativas de eleger culpados, o que levou familiares do piloto morto e um dos donos da aeronave, Miguel Quiroga, 36, a defendê-lo de julgamento tão desumano. “É cruel, absurdo e injusto”, disse uma sobrinha, abalada e perplexa, segundo quem parentes mais próximos não conseguem nem mesmo tocar no assunto, quanto mais discutir a ideia de que Quiroga teria evitado a tragédia se houvesse aterrissado no aeroporto de Cobija e abastecido o avião, evitando a possibilidade de ocorrência de uma pane seca.
Mesmo a controladora de voo que tinha estado em contato com a aeronave, a colombiana Yaneth Molina, antecipou-se ao julgamento dos carrascos virtuais e escreveu aos colegas dizendo haver feito tudo o que poderia para salvar a aeronave. É lastimável que tenha sido obrigada a esclarecer o óbvio, face às conversas gravadas. Mas, no fim das contas, importa mesmo é que a fonte de onde jorra a solidariedade se mostra mais viva e inesgotável do que aquela capaz de produzir apenas mesquinharias. Será sempre o caminho através do qual nos reconheceremos como humanos.