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Há 30 anos, parte dos 16 irmãos se encontra uma vez por semana para um café da manhã.

Marcionila Teixeira (texto)
Julio Jacobina/DP (foto)

O café da manhã posto na mesa cheira a cuscuz, mungunzá, xerém, tapioca, ovo frito e leite. É farto, servido para mais de dez pessoas. Nem sempre foi assim. Um dia, em uma infância agora distante, a comida era contada, distribuída com parcimônia entre os filhos nascidos do ventre de Maria da Conceição Alves Gomes. Dos vintes bebês paridos, dezoito vingaram. Dois morreram ainda crianças. De mãos dadas, os irmãos suportaram, junto com Conceição, a morte precoce do pai, Josué de Oliveira Gomes. Prosperaram. Ganharam destinos diferentes. Mas, talvez porque sempre precisaram uns dos outros na caminhada rumo à sobrevivência, nunca soltaram as mãos. Não desejam. Nem podem. Precisam das vozes, dos abraços da irmandade para seguirem fortes. Toda quinta-feira, os irmãos renovam uma espécie de pacto silencioso no café da manhã. Ali, a comida saborosa é o menos importante.
Em tempos onde reunir-se em uma mesa para se alimentar e conversar é cada vez mais raro nos lares brasileiros, a numerosa família Gomes é como uma exceção. Há trinta anos, transformou aquele café da manhã em uma oportunidade para multiplicar afetos. É como uma grande terapia de grupo, diz Wladimir Alves Gomes, 76 anos. “Sempre que algum de nós está com um problema, um ajuda o outro. Confesso que nunca brigamos nesse tempo todo. A única coisa que mudou é que o café começou somente com dois irmãos e agora, quando dá, a casa enche”, conta. A refeição é ofertada na casa de Ruth Alves d’Oliveira, 89, a mais velha dos 16 irmãos vivos. Por muitos anos, aconteceu na casa da matriarca, até a sua partida, em 22 de abril de 2005.
Um dia, na praia, um dos irmãos pensou alto junto a um amigo. “Tô procurando ver se acho algum irmão para dar um abraço”. Surpreso, o amigo respondeu: “Você tem dezessete irmãos e eu só tenho um. Se eu encontrasse com ele agora, perderia o dia”. Os abraços dos Gomes têm poder transformador. É bálsamo raro em um universo que tem se mostrado pouco encantador. No elo inquebrável onde as mãos são as correntes, Conceição foi personagem fundamental. Com a ajuda dos filhos mais velhos e com o caçula no ventre quando o marido partiu, a mulher parece ter aplicado, talvez inconscientemente, um princípio para continuar. “Educar não é só falar, gritar e bater. O exemplo educa muito melhor”, reflete Wladimir. Conceição era sábia.
O café da manhã das quintas-feiras é aberto a todos da família. Sobrinhos, primos, companheiros e companheiras. Nem todos conseguem participar religiosamente do encontro semanal. Dois dos irmãos, por exemplo, moram em Salvador. Os Gomes, então, encontraram uma solução para manter a corrente firme e coesa. Uma vez por ano, em dezembro, marcam um grande almoço. O deste ano aconteceu no Clube Sindifisco, na Rua da Aurora, em Santo Amaro. Vieram 15, de um total de 16 irmãos vivos. Parte dos demais descendentes de Conceição também veio: 57 netos, 71 bisnetos, 6 tataranetos, além de dois tataranetos no ventre de suas mães.
Ruth, Maria Úrsula, Josué, Rubem, Rui, Guilherme, Hélio, Socorro, Fernando, Wladimir, Romildo, Roberto, Frankilin, Eduardo, Maria de Fátima, Marcelo, Maria da Conceição e Marcos cultivaram ao longo da vida o prazer de expressarem uns para os outros o quanto são importantes. Úrsula e Rui já não fazem mais parte dos encontros. Partiram. Deixaram os filhos e netos no lugar. Eles, assim como os demais herdeiros dos Gomes, são como sementes de uma família cada vez mais rara.