13.01

 

Obra do filósofo alemão reúne ferinas e cômicas reflexões sobre o ato de pensar, ler e escrever.

Fellipe Torres (texto)
Reprodução da internet (imagem)

Ensaios escritos pelo filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860) na primeira metade do século 19 provocam estonteantes reflexões acerca do mundo das letras, que soam extremamente atuais. Neles, o pensador aponta vícios do pensamento humano, armadilhas da escrita e da crítica literária.
Para Schopenhauer, por exemplo, o valor que supostamente damos ao sistema educacional é, de certa maneira, uma farsa. Professores ensinam para ganhar dinheiro e não se esforçam pela sabedoria, mas pelo crédito que ganham dando a impressão de possui-la. Ele dizia que “escrever e ensinar em demasia” é algo tão prejudicial quanto ler e aprender em excesso. Falta o verdadeiro saber e compreensão.
“Com isso, quando expõe alguma ideia, a pessoa precisa preencher com palavras e frases as lacunas de clareza em seu conhecimento. É isso, e não a aridez do assunto, que torna a maioria dos livros tão incrivelmente entediante. Pois, como podemos supor, um bom cozinheiro pode dar gosto até a uma velha sola de sapato; da mesma maneira, um bom escritor pode tornar interessante mesmo o assunto mais árido”.
Em seguida, Schopenhauer critica a maioria dos cientistas, que veem a ciência como um meio e não como um fim (ou seja, não têm o saber como meta). Em contraponto, ele diz que, em todos os gêneros, as obras só podem alcançar a excelência quando são produzidas em função de si mesmas e não como meios para outros fins.
Assim, para chegar a grandes ideias, é preciso atentar mais para os próprios estudos e menos para as ideias alheias. Só se dedicará a um assunto com toda a seriedade alguém que esteja envolvido de modo imediato e que se ocupe dele com amor. “É sempre de tais pessoas, e não dos assalariados, que vêm as grandes descobertas”.
Para exemplificar a ideia de que as pessoas deveriam sempre pensar por si mesmas, Schopenhauer faz comparação interessante: a mais rica biblioteca, quando desorganizada, não é tão proveitosa quanto uma bastante modesta, mas organizada. “Da mesma maneira, uma grande quantidade de conhecimentos, quando não foi elaborada por um pensamento próprio, tem muito menos valor do que uma quantidade bem mais limitada, que, no entanto, foi devidamente assimilada”.
O filósofo não tem medo de ser radical na defesa do argumento. Em dado momento diz que o excesso de leitura “tira do espírito toda a elasticidade, da mesma maneira que uma pressão contínua tira a elasticidade de uma mola”. Ele diz, inclusive, que a melhor maneira para não possuir nenhum pensamento próprio é pegar um livro nas mãos a cada minuto livre. “A leitura é um substituto do pensamento próprio”. Para Schopenhauer, cada pessoa só deve ler quando a fonte dos próprios pensamentos seca.
Ele identifica três tipos de escritores: aqueles que escrevem sem pensar ou a partir de memórias, reminiscências ou de livros alheios (classe mais numerosa); os que pensam enquanto escrevem (boa parte dos autores); e ainda aqueles que pensaram antes de começar a escrever (esses são raros). Schopenhauer acredita que apenas esse último tipo de escritor merece ser lido.
Quando o discurso do pensador alemão dá sinais de que vai arrefecer, ele ataca as publicações literárias e a sua falta de compromisso com a resenha de livros. Uma verdade inconveniente: a grande maioria dos livros é ruim e não deveria ter sido escrita. “É sempre um erro querer transferir para a literatura a tolerância que, na sociedade, é preciso ter com as pessoas estúpidas e descerebradas que se encontram por todo o lado. Pois, na literatura, elas não passam de invasores desavergonhados, e desmerecer o que é ruim constitui uma obrigação em face do que é bom”.
E denuncia, antes que nós caiamos na armadilha: todo escritor medíocre procura mascarar o estilo próprio e natural. Usam fórmulas forçadas, difíceis, com neologismos e frases prolixas que giram em torno do pensamento e os escondem. Tentam, de alguma forma, parecerem eruditos, profundos. Escrever de uma maneira que ninguém entenda é a coisa mais fácil do mundo (o ininteligível é parente do insensato). Por outro lado, a simplicidade é uma marca não só da verdade, mas também do gênio.