14.02

 

Luta anticorrupção precisa transcender a convicção de que um partido só é responsável por tudo.

Vandeck Santiago (texto)
Daniel Mihailescu/AFP (foto)

Duas notícias de ontem cobram atenção especial. A primeira é que a Associação dos Delegados da Polícia Federal (ADPF) encaminhou ofício ao presidente Michel Temer pedindo a saída do diretor-geral da corporação, Leandro Daiello. Não se trata de um pedido isolado de dirigentes – foi aprovado sexta-feira passada, em assembleia geral da PF, por 72% dos participantes. No ofício para Temer, a ADPF diz que a substituição é “salutar” para “a continuidade das grandes operações” – não cita nominalmente, mas é claro que se refere à Lava-Jato e outras ações dela derivadas ou por ela inspiradas.
A decisão da entidade de pedir oficialmente ao presidente da República a saída do diretor-geral da PF acontece dois dias depois do anúncio de que o delegado que iniciou as investigações da Lava-Jato, Márcio Adriano Anselmo, deixou a operação para assumir a corregedoria da PF no Espírito Santo. Márcio alegou “esgotamento físico e mental” como fator responsável por sua saída. Tornou-se o quinto delegado a deixar a Lava-Jato.
Antes do ofício encaminhado a Temer, a ADPF emitiu nota (divulgada pelo Estadão) em termos mais duros sobre a situação. Diz que “delegados que coordenavam operações policiais foram deslocados para outras áreas e locais, devido ao esgotamento físico, mental e operacional a que são submetidos”, por falta de apoio da direção. Acrescenta que a “constante omissão” da Diretoria-Geral “vem causando o enfraquecimento da instituição, pois não promove o apoio devido àqueles que se dedicam às grandes operações”.
Diante dessa movimentação toda somos levados a pensar que Leandro Daiello foi nomeado no governo Temer, e não teve maior participação no furor que se tornou a Lava-Jato desde o seu início, há três anos. Não, senhores. Ele foi anunciado como diretor-geral da PF em 29 de dezembro de 2010 – nos últimos dias do governo Lula. Era superintendente da PF em São Paulo. O anúncio foi feito pelo então futuro ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Aqui tem um detalhe interessante: o ex-ministro da Justiça Tarso Genro, do PT, que se elegera governador do Rio Grande do Sul, era favorável a outro nome para ocupar o cargo, o do superintendente da PF no RS, Ildo Gasparetto.
Ou seja: o diretor-geral Leandro Daiello, cuja saída se pede agora, com a afirmação de que sua substituição será “salutar” à “continuidade das grandes operações”, é o mesmo que nos últimos anos esteve à frente da corporação, período em que a Lava-Jato levou à prisão diversos integrantes do PT e empresários graúdos. Então, cabe a pergunta: se este diretor esteve à frente da PF no auge da Lava-Jato, quando se prendeu e se investigou tanta gente, por que agora se diz que sua saída seria “salutar” para a Lava-Jato?… Por que, agora, estaria havendo, segundo a ADPF, “falta de apoio” e “constante omissão” da Direção-Geral em relação às “grandes operações”, como a Lava-Jato? Se isso for verdade, o que mudou e onde está a fonte da mudança?… Por que antes não se falava de “falta de apoio” ao trabalho da PF e agora se fala?… Por enquanto é possível fazer várias conjecturas sobre o assunto, porém as melhores respostas surgirão quando vierem à tona mais informações sobre o que está acontecendo.
Mas no início desse artigo eu falava em duas notícias. Faltou dizer a segunda: é a onda de protestos na Romênia contra decreto do governo que enfraquecia leis anticorrupção. Já dura 13 dias, e nem a revogação do decreto conseguiu desfazer o descontentamento popular, que tem provocado as maiores manifestações desde o fim do governo comunista no país, em 1989.
No Brasil temos uma movimentação que ruma no sentido do enfraquecimento da Lava-Jato e da luta anticorrupção, ao mesmo tempo que empodera grupos contrários a uma e outra. No governo anterior tivemos grandes manifestações supostamente contra a corrupção, mas que desapareceram tão logo ocorreu o impeachment. Quanto aos organizadores dos atos, não sei; mas tenho certeza que muitos dos que participaram daquelas manifestações estavam genuinamente indignados contra a corrupção. Se esta indignação transcender a convicção de que um partido só é responsável por tudo, talvez no futuro o descontentamento dos romenos soe para nós como algo mais familiar do que soa hoje.