21.02

 

Eleição presidencial de 2018 se dará sob o signo do antagonismo – uma luta entre opostos só igual a 1989.

Vandeck Santiago (texto)
Jaqueline Maia (foto)

A ideia de que a próxima disputa presidencial vai dar-se entre a direita e a extrema-direita, como previu Fernando Haddad no final do ano passado, tem sido derrubada a cada rodada de pesquisas pela liderança em que aparece o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Para efeito de argumentação, digamos que Lula não possa ser candidato em 2018 – ainda assim, o nível de radicalização política em que estamos vivendo e a história eleitoral do Brasil não dão margem para acreditarmos que a decisão sobre quem vai governar o país aconteça em um mesmo campo de forças.
O mais provável é que a disputa se dê sob o signo do antagonismo – uma luta entre opostos. E aí podemos nos aproximar do que houve em 1989, quando de um lado estavam Brizola e Lula (este acabou passando para o segundo turno) e, do outro, Fernando Collor. Numa polarização desse nível, o centro é triturado. E crescem aqueles capazes de estabelecer um contato direto com a população.
Uma frase do filme Joaquim, do pernambucano Marcelo Gomes, é emblemática dos nossos dias, apesar de contar uma história do século 18 – o período de conscientização política do alferes Joaquim José da Silva Xavier, que iria tornar-se Tiradentes (1746-1792). “Preciso fazer alguma coisa com a minha raiva”, diz ele, em um momento de inquietação, segundo matéria de jornalista de O Globo, que assistiu ao filme no Festival de Berlim.
“O que fazer com a nossa raiva” é expressão capaz de explicar, pelo menos em parte, as raízes do radicalismo que permeia nosso embate político nos últimos anos. Convém entender “raiva” aí de diversas formas – desde a indignação com a corrupção quanto com a seletividade ou parcialidade de investigações e sentenças. “As instituições republicanas funcionam ainda muito na base de facção. Pessoas que não poderiam têm lado. Alguns promotores, alguns jornalistas, juízes, desembargadores”, diz Haddad, na mesma entrevista em que faz suas conjecturas sobre as próximas eleições.
As análises sobre o futuro eleitoral do Brasil levam em consideração, localmente, o desgaste do PT como parte da Operação Lava-Jato e, externamente, o avanço de onda neoconservadora no mundo, que culminou no Brexit, na eleição de Trump e no avanço de Marine Le Pen, na França. As forças que surfam nessa onda sempre lidam com um bode expiatório – imigrantes, globalização, corrupção, gays, petistas (no caso do Brasil)… E conseguem estabelecer ligações diretas com a população, muitas vezes impulsionadas por questões religiosas e de qualidade de vida (perda do poder aquisitivo, desemprego, temor em relação ao futuro).
Há um diagnóstico que diz que a esquerda – na Europa e no Brasil – canalizou suas forças para lutas por questões laterais: casamento homossexual, direitos dessa ou daquela parcela da população, feminismo etc. Não que esses temas não sejam legítimos e merecedores de atenção, “mas, ao mesmo tempo, camadas da população trabalhadora e camponesas foram abandonadas a sua má sorte”, considera, por exemplo, o escritor e jornalista Ignacio Ramonet, ex-editor do Le Monde Diplomatique. “A essas camadas órfãs, a extrema-direita soube falar, identificar os seus infortúnios e prometer soluções. Não sem demagogia. Mas com eficácia.”
A mesma pesquisa do dia 16 passado que mostra a liderança de Lula na corrida presidencial mostra também a consolidação do nome do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ). Ele aparece empatado no segundo lugar com Marina Silva (Rede), Aécio Neves (PSDB) e Geraldo Alckmin (PSDB). Mesmo dando-se o desconto de que estamos a dois anos das eleições, e fazendo-se todas as ressalvas possíveis ao que significa uma pesquisa, essa colocação do Bolsonaro é mais surpreendente do que a do Lula.
Desde as eleições presidenciais de 1994, nenhum nome com perfil tão à direita foi tão popular quanto ele é hoje. Não se sabe se terá fôlego eleitoral para chegar em 2018 com essa disposição. Mas só o fato de ele ocupar a posição que está ocupando já é indicativo de que tem muita gente procurando o que fazer com a raiva.