22.02

 

Depois do assalto à Brinks, o debate sobre o que está por trás do pânico alimentado nas redes sociais.

Luce Pereira (texto)
Greg (arte sobre foto)

O cidadão vem de longo período assistindo aos pilares que sustentam o país sendo minados na base pelo desemprego, a violência, a corrupção e a impunidade, então, naturalmente, passa a ter nervos à flor da pele, tendendo a virar presa fácil de boatos surgidos a todo momento, sobretudo nas redes sociais. Não quer dizer que o cenário não se mostre extremamente preocupante, porque o Brasil todo enfrenta sérios problemas na área de segurança, mas, a depender dos interesses, os verbos vão mudando de peso até sugerir a existência de um clima de completa desordem, algo como se tudo estivesse completamente fora de controle. E não é bem assim. À luz do sentimento de abandono que ganhou tintas fortes no mundo virtual, com o cinematográfico assalto à empresa de transporte de valores Brinks, na madrugada desta terça-feira, é bom levar em conta, por exemplo, a análise feita por estudiosos para esclarecer muitos dos fatores responsáveis pela recente onda de violência no Espírito Santo, que deixou 147 mortos. Foram justamente boatos aos montes, absorvidos sem qualquer “filtro”, os grandes aliados de quem buscava se beneficiar com o recrudescimento da violência. No fim das contas, a manipulação de ferramentas digitais acaba por produzir um pânico que guarda distância considerável da realidade e a população fica sendo a única, de fato, a pagar a fatura.
Quando a crise na segurança do estado comandado por Paulo Hartung estava mais aguda, com a guerra virtual ajudando a alimentar a violência nas ruas, o Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) recebeu uma série de mensagens de texto e áudio, além de dezenas de vídeos, alardeando o estabelecimento do caos na ordem pública. Os pesquisadores observaram que a maioria era proveniente de fontes desconhecidas e apenas reproduzia rumores. Do mesmo jeito, seguiam sendo compartilhadas postagens com fotos antigas para ilustrar mensagens atuais, caso de uma mostrando a chegada do Exército, que, na verdade, dizia respeito à presença das Forças Armadas no Recife, em 2014, e ganhava as redes antes mesmo de os militares colocarem os pés em Vitória. Outra que mostrava homens de rostos borrados fugindo com uma viatura da PM era de 2013 e tinha sido feita em evento do qual participou o Batalhão de Missões Especiais expondo equipamentos para estabelecer maior aproximação com a comunidade. Isso sem falar nos inúmeros perfis-robôs no Twitter: em um só dia, 350 mil postagens sobre a crise, das quais 90%, segundo os especialistas, retuítes feitos por 5 mil usuários que engrossavam o caldo do caos, inocentavam PMs e criticavam o governador e a imprensa. Naturalmente, o efeito colateral das informações falsas é extremamente danoso e a população, para estancar o pânico, precisaria ao menos conhecer a procedência dos conteúdos.
Todo este cenário serve para lançar luz, também, sobre a situação da segurança pública em Pernambuco, que faz parte de uma conjuntura nacional problemática e complexa, carente de novos rumos, modelos e investimentos. Tanto não é possível que as forças policiais encontrem nas dificuldades do dia a dia razões que expliquem suas deficiências quanto não se justifica que o governo deixe de empregar todos os recursos para combater a criminalidade, inclusive garantindo aos policiais as condições necessárias para exercer bem a profissão. Porém, no caso do assalto à empresa Brinks, ainda que pese contra a área da segurança pública um somatório de insatisfações, há que se considerar a ocorrência como, no mínimo, atípica: uma operação incomum, no estado, arrojada na estratégia, no armamento e no número de homens utilizados. Sobram perguntas, faltam respostas – inclusive, por que teria acontecido tão perto da troca de cadeiras no comando das polícias Militar e Civil de Pernambuco. É preciso ter “muita calma nesta hora”, porque, no jogo virtual, bandidos e mocinhos vivem mudando de lugar em nome da conquista dos seus objetivos. Aos dois, importa pouco a máxima de que com a vida não se brinca.