25.02

 

Por decreto de sua majestade, o Galo, nenhum folião pode julgá-lo ou ser julgado pela roupa, mas pela alegria.

Luce Pereira (texto)
Paulo Paiva (foto)

Sei de pouca gente que goste tanto de polêmica quanto o povo de Pernambuco. Do Recife, mais especificamente. Gente da língua comprida, que não respeita nem sua majestade quando vem cacarejar das alturas, realçando a alegria dos foliões de Momo. Neste ano, criticaram-lhe o atraso em chegar à ponte, mais ainda quando apareceu sem conseguir aquele oooohhh tão espontâneo dos súditos. Se demorou tanto, havia que aparecer mais bonito e descolado que o indiano Rohit Khandelwal, eleito o sujeito mais belo do mundo, em 2016. A propósito, não faltou mesmo quem preferisse ver o ilustre com a roupa da última folia, tal o nível a que chegou o disse-me-disse. Naturalmente, as considerações foram parar nas redes sociais, território de ninguém, e lá o soberano virou meme e foi até retratado como um reles “frango Mauricéa”, depenado, nu como se o tema do desfile real deste ano fosse o conto de Hans Christian Andersen em que o monarca é enganado e convencido pelo costureiro a usar uma roupa maravilhosa, invisível, passível de ser vista apenas por pessoas inteligentes. Se for assim, na verdade só os parvos se prenderam a tal insignificância e então a majestade precisa dar um desconto, ainda mais sabendo que não se consegue agradar a gregos e troianos – no Recife, então, isto não terá nunca a menor possibilidade de acontecer, pois, como já disse, é um povo que nasceu para “botar gosto ruim”.
Engraçado é que toda a celeuma só dura até que surjam os primeiros raios de sol iluminando o Sábado de Zé Pereira, compadre de primeira hora do soberano. Se o Galo está com um visual chinfrim ou se esbanja elegância como se tivesse saído do ateliê de Chanel, não faz diferença, ninguém mais repara, porque ele, de fato, passa a representar o que nunca deixa de ser – a carteira de identidade da folia de Pernambuco, com a qual o estado se apresenta ao mundo nesta época. Um desfile tão monumental, colorido e irreverente, que fica impossível não desejar fazer parte daquela diversidade toda, caldeirão de raças e culturas. Ali não se sabe exatamente onde começa a riqueza e termina a pobreza ou vice-versa, apesar de as ilhas de conforto resistirem ao longo do trajeto do cortejo como seguirão resistindo em qualquer outro lugar do planeta. Mas sente-se que as brutais diferenças arrefecem. Sente-se mesmo. Pena que os muros voltem a ser erguidos tão logo as duas majestades – Momo e o Galo – recolhem suas cortes, nos devolvendo ao desassossego cotidiano.
Por isso mesmo é preciso não prestar atenção em coisas miúdas, insignificâncias que cabem apenas no nosso pequeno mundo real. Se o rei chega vistoso ou à vontade como quem trocou o smoking por uma camiseta e um jeans cheios de “rombinhos”, que mal pode haver? É a disposição para ser feliz que conta – e felicidade com começo, meio e fim previamente estabelecidos precisa ser aproveitada em dobro, sem medo algum, sem a sombra dos dias desprovidos de graça e de qualquer enfeite. Carnaval é a festa dos sentidos e não faz sentido não ser devoto da alegria tal como desejam as majestades do frevo, aquelas nascidas com a missão de ensinar que ao menos em alguns dias do ano não é pecado saborear o melhor da vida. Então, quando o Galo cantar pela primeira vez, neste sábado, diga amém. Amém à brincadeira boa, sem violência, com respeito às diferenças, pois são elas que tornam mais interessante a aventura humana. Pegando de empréstimo o verso de Vinícius de Moraes, que eles – a folia do Galo e o reinado de Momo – sejam eternos enquanto durem.