03.03

 

Depois da folia, a volta à realidade se mostra tão indesejável que a tristeza vira “depressão pós-carnaval”.

Luce Pereira (texto)
Silvino (arte)

OBrasil ainda carrega o estigma de ter feriados além da conta, mesmo estudos feitos por instituições internacionais mostrando que não é bem assim: a Índia leva o estandarte do bloco “pernas para o ar, que ninguém é de ferro”, enquanto na América do Sul ele fica com a Colômbia, um país, diga-se, disposto a ter papel cada vez mais relevante no continente à medida que tenta ajustar sua economia às exigências dos tempos modernos. Porém, não são apenas os prejuízos chorados pela indústria e o comércio a partir dos dias “inúteis” o que pesa na questão, considerando a realidade política, social e econômica dos três países – para os brasileiros, mais do que para indianos e colombianos, a volta dos feriados longos parece ter peso muito maior. Neste ano serão mais oito folgas começando às quintas e segundas-feiras, só que vividas com a expectativa do tal “amargo regresso”, onde estão à espera desemprego, contas para pagar, violência, corrupção e todos os outros fantasmas produzidos pelo desmantelo nacional. Por mais otimismo, não se pode contar que nos próximos meses tudo isso venha a ganhar contornos amenos.
Não tenha dúvida, entre todos os feriados gordos o carnaval é o que mais parece deixar uma acentuada sensação de abatimento, como se de fato tivesse sido “um sonho que durou três dias” (isto sem contar a folia da semana pré, evidentemente deixada longe do calendário oficial). Diante da nada aprazível realidade do país, ver os clarins silenciando significa ter de encarar de frente a teoria de que o ano novo vai começar de verdade dali a 48 horas e que aquele “amargo regresso” não traz consigo nenhuma perspectiva alentadora, capaz de motivar até a próxima parada – no caso, o feriado de Páscoa, uma sexta-feira. Para retardar a indesejável hora de se virem obrigados a “meter a mão na massa”, pela imperiosa necessidade da sobrevivência, milhões prefeririam trocar os dias da Paixão por mais três no reinado de Momo, mesmo sabendo que num país assim o preço por qualquer dose de alegria costuma ser altíssimo.
Na quarta-feira e nos dias seguintes caem o pano, a ficha e cai por terra, também, “aquela esperança de tudo se ajeitar”, embora o desencanto vá se diluindo com o passar dos dias, na medida em que a rotina chama. Parece brincadeira mas não é, acredite. Constatando o sentimento de prostração que toma conta de muitos foliões depois de cada passagem de Momo pelo país, a psicologia logo tratou de nomeá-lo – depressão pós-carnaval. A expressão bem que assusta, mas reflete uma tristeza até considerada normal, depois de um período de grande euforia e exacerbação de sentimentos. Algo como se reatar os laços com a realidade levasse a pessoa a se ver frente a frente com uma vida da qual não consegue fugir e para a qual não consegue respostas adequadas.
Os mesmos psicólogos habituados a observar o fenômeno sugerem que a melhor maneira de evitar a esta tristeza não é, naturalmente, abrir mão do carnaval, mas virar a mesa e a forma de enxergar a vida, mudando hábitos, criando interesses e se proporcionando situações de maior relaxamento. Mas e quando tudo isso sofre os reflexos das turbulências políticas e econômicas, que sacodem a esperança de um lado para outro impedindo que se firme no horizonte? Bem, os psicólogos não aconselham que se mude de país, porque, afinal, nenhum é perfeito. Mas o bom senso manda que se lute pela existência de um no qual o sossego e a alegria trazidos pelos feriados não custem tanto assim.