21.03

 

Entre impresso e digital há mais espaço para complementaridade do que para antagonismo.

Vandeck Santiago (texto)
Greg (arte)

Todas as vezes que vocês ouvirem falar de mudanças tecnológicas, lembrem-se de Canudos.
Neste mês de março faz 120 anos que o povoado erguido no Sertão sob a liderança de Antonio Conselheiro enfrentou e venceu a terceira expedição do Exército, enviada pelo governo federal.
— Avança, fraqueza do governo!, — gritaram os jagunços do Conselheiro desde a primeira expedição.
A terceira era comandada por um bravo e bem-sucedido militar, o coronel Moreira César.
— Vamos almoçar em Canudos — disse ele para seus soldados fatigados, ao se aproximar da comunidade. No dia seguinte seria morto, a tiros. Seu substituto, coronel Tamarindo, teve o mesmo fim. A terceira expedição acabou fragorosamente derrotada.
O coronel Moreira César subestimou a resistência dos habitantes — esta é a primeira lição que podemos tirar do episódio, para os fins do que trata este artigo, que é sobre tecnologia e não sobre guerra.
Os seguidores de Antonio Conselheiro apoderaram-se de armamentos poderosos do Exército, como canhões. Se tivessem ficado com eles e tentado aprender o seu uso, teriam aumentado enormemente o seu poder de reação.
Em vez disso, sem compreenderem o manejo dos canhões, eles o destruíram a golpes de alavanca e malhos e jogaram os destroços num, com o diz Euclides da Cunha, “esbarrondadeiro próximo”. Aí está a segunda lição, e a mais importante, para este artigo.
A história não gira para trás, e cavar trincheiras contra os avanços tecnológicos é como agarrar-se à noite mais escura pensando que assim vai evitar a madrugada. É impossível destruir todos os canhões, esperando que a partir daí a luta será com facões e baionetas.
Diante da terceira derrota para, como dizia o discurso oficial da época, “fanáticos religiosos”, o governo federal envia a quarta expedição — com mais generais, mais soldados e, sim, mais canhões. O final é conhecido.
Deixemos Canudos e nos transportemos para 120 depois — hoje, na Europa, já se fala na criação de um imposto para cada robô a fim de que os recursos daí provenientes sirvam para a aposentadoria dos trabalhadores humanos que perderão os seus empregos com a robotização.
Ontem, no Recife, jornalistas e pesquisadores lançaram o livro Os impactos das novas mídias na comunicação, organizado por Rossini Barreira, Cláudia Elói, Sheila Borges, Amanda Mansur e Ana Beatriz Nunes. Traz as discussões que ano passado foram levantadas no Projeto Conexões, uma realização do Porto Digital, UFPE e Sindicato dos Jornalistas de Pernambuco. Nesse admirável mundo novo da disrupção em que estamos vivendo, está na ordem debater o futuro dos jornais impressos e do jornalismo online. Os primeiros vão acabar? O segundo garantirá a escala de negócios que, até hoje, os jornais mantiveram na comunicação?
Estou entre aqueles que não creem no fim do impresso, por considerar sobretudo que na comunicação a dinâmica é de acumulação, não de substituição. Os jornais não vão acabar, assim como não acabaram o rádio, a televisão, o cinema. Os livros impressos não vão acabar só porque é possível lê-los passando os dedos numa tela de composta de eletrodos transparentes e substrato de vidro. Há estudos e estatísticas já apontando neste sentido. No caso dos livros, mesmo aqueles que previam um mundo sem papel já consideram que eles vão continuar (são leitura, por exemplo, de uma geração exclusivamente digital). No caso dos jornais, as previsões que antes prognosticavam seu fim para amanhã já apontam para um horizonte mais distante — lá para os confins de 2050…
Não façamos como o comandante que subestimou a resistência do seu alvo, nem como os combatentes que não souberam compreender os equipamentos usados na luta. Adaptação, adaptação, adaptação — é assim que se sobrevive.
Entre o impresso e o digital há mais espaço para complementaridade do que imaginam os seguidores radicalizados de Gutenberg, Zuckerberg e Bill Gates (este, a propósito, em que pese sua genialidade, previu o fim dos jornais para o início dos anos 2000…).