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Coleção Josebias Bandeira – Fundação Joaquim Nabuco

Usados principalmente para divulgar as atrações mais belas para as pessoas de outras partes do mundo, os cartões-postais comercializados no Recife no começo do século passado traziam cenários que poderiam ser curiosos para outras civilizações. Pouco mais de 20 anos depois da libertação dos escravos, a pobreza e seus aspectos também conquistavam espaço nos cartões horizontais em preto e branco ou colorizados geralmente impressos na Europa. As imagens de mocambos e de sua gente – quase todos negros – podiam ser enviadas pelos Correios ou mesmo colecionados.

Das 1.144 imagens da coleção Josebias Bandeira, hoje pertencente à Fundação Joaquim Nabuco, pelo menos sete cartões-postais retratam as condições precárias de habitação dos recifenses que não pertenciam à elite mesmo morando próximos dos casarões erguidos com o dinheiro da agricultura, do comércio ou da indústria. Os casebres de taipa estavam quase dentro de rios e córregos, mas para o registro em foto seus moradores procuram se apresentar bem vestidos na medida do possível.

Gente que praticava seu ofício na rua, na venda de bugigangas, de doces e frutas, e também na prestação de pequenos serviços. Na virada do século 20, estas pessoas entraram no radar do poder público, que passava a ter a preocupação de fazer uma reforma urbanística com interesse não apenas estético, mas também higiênico. Começava o tempo da demolição de vielas, becos, mocambos e casebres, com seus habitantes afastados para a periferia.

Em março de 1923, uma nova lei proibia a reforma e construção de novos mocambos no perímetro urbano do Recife. Dentro da cidade seriam erguidas as vilas operárias, onde as famílias transferidas teriam que seguir normas como não cuspir no chão, criar porcos e galinhas e não discutir com os vizinhos. O vício da embriaguez era punido com a perda da moradia.

No dia 17 de março de 1927, Aníbal Fernandes, titular da coluna “De uns e de outros” no Diario de Pernambuco escreveu: “Se alguém, ao lado de um sobrado de quatro andares, entendia levantar um mocambo de palha, não lhe criavam obstáculos. Era o regime da liberdade integral. Hoje nós estamos vendo como andaram às cegas as edilidades de outras eras, e quanto trabalho e quanto dinheiro nos estão custando os seus lamentáveis erros de urbanismo. O que não temos despendido e o que não despenderemos ainda para livrar o Recife de quanto beco e viela imunda existem por aí?”.

Segundo o Censo de 1913, os mocambos representavam 43,3% dos edifícios recifenses. Em 1939, o percentual subiu para 63,7%. O interventor Agamenon Magalhães iniciou uma cruzada contra este tipo de moradia, havendo um novo movimento construtivo de vilas destinadas a entidades profissionais.

Mais afastados ainda do centro urbano, os moradores mais pobres do Recife continuam a dar a sua contribuição para a cidade. Quase 100 anos, moradores da Vila Sete Mocambos, em Afogados, retratados em um cartão-postal, traduzem uma época que permanece ainda viva. As palhoças nos arrabaldes, descritas em várias línguas como “choupanas dos negros”, continuam atuais.