03.04

 

Cultuado nas cidades brasileiras onde resistem os escritores, ele já se encontrava há muito como o poeta dos poetas independentes de todo o Brasil.

Urariano Mota (texto)
Gil Vicente (foto)

Cláudia Cordeiro, a incansável divulgadora da obra e pessoa do poeta, convida todos pelo Face: “No próximo 8 de abril a partir das 15 horas, no Parque 13 de Maio, Recife, vamos homenagear o poeta Alberto da Cunha Melo, que completaria 75 anos nessa data”. É claro, os que amamos a melhor poesia no Brasil, os que integramos na alma os poemas bem realizados contra a opressão política e social, não poderemos faltar ao encontro.
Então aproveito o espaço para publicar um breve texto sobre o amigo e poeta. De imediato, retiro do limbo algumas linhas da apresentação que fiz para o seu livro inédito, Salmos de Olinda. Escrevi e estava guardado até aqui:
Alberto da Cunha Melo, mais uma vez, caminha sobre as águas. Essa frase quer dizer: o poeta escreve magnífica poesia sobre um caminho tão difícil, que o resultado parece milagre. O leitor não se engane pela evocação da palavra Salmos, que remete a oração ou a cântico sagrado do rei Davi. Nem pense tampouco que, sendo poemas de Olinda, venham salmos da carne transgressora da libação dos dias do rei Momo. Não, nem tanto ao céu, nem tanto à terra.
Salmos de Olinda é livro para ser meditado. Se não pede a música de um canto gregoriano, que poderia dispersar a merecida atenção da melodia íntima dos versos, pede, não, exige o que é da natureza da melhor poesia. Aquela de ser um bem que não admite devolução. Aquela de ser um presente a que a gente sempre volta, porque mantém o mesmo frescor de antes, como um carinho de infância antiga, mas sempre novo.
Lembro agora do poema Origem, que será mantido na lembrança dos amantes, namorados, e de todos que têm paixão pela companheira ou pelo trabalho que faz. Ele fala do sentimento que tem de vir de dentro. Em vida, Alberto da Cunha Melo já era um clássico da nossa poesia. Cultuado nas cidades brasileiras onde resistem os escritores, ele já se encontrava há muito como o poeta dos poetas independentes de todo o Brasil.
Essas linhas acima não tinham visto a luz até aqui. Mas a elas acrescento o mais importante, a poesia viva do poeta:

“A cem quilômetros por hora
solto a direção do automóvel
para escrever alguma coisa
mais urgente que minha vida…
Ó meu Deus, eu quero escrever
a minha vida, não teu Céu.
Eu estou só e enlouquecido
como as ovelhas mais longínquas.

Dá pelo menos a esperança
de terminar o doloroso
poema. Dá isso a teu filho,
caído, e coberto de sal…

Senhor, dá-me a palavra brisa,
irmã das fontes, dá-me agora
qualquer palavra que suavize
a minha vida, para sempre”.

Agora, posso recuperar o que escrevi sobre o poeta um pouco antes do seu falecimento. Assim foi a minha descoberta:
Esse homem com a idade de 65 anos, que os amigos ouvem com a voz gasta por milhares de cigarros, esse Alberto da Cunha Melo em quem não enxergo roupas, corpo, cabelos, em quem só percebo os olhos com uma névoa, esse homem é um clássico. Vocês duvidam?
“Tudo que levamos a sério
torna-se amargo. Assim os jogos,
a poesia, todos os pássaros,
mais do que tudo: todo o amor”.

Quando encontrei Alberto abatido e triste no começo do ano da sua morte, tive vontade de lhe dizer, “levante-se, amigo, porque agora começa o melhor tempo de nossas vidas. Será que você não percebe as promessas que se anunciam?”. Não sei se eu adivinhava o lado bom, porque aos 65 anos de idade Alberto da Cunha Melo receberia o prêmio de poesia da ABL em 2007. “As glórias que vêm tarde já vêm frias”, ele sempre gostou de repetir. Antes tarde do que nunca, eu poderia responder. Mas preferi então tornar público que todos estávamos honrados na pessoa do poeta, no reconhecimento da sua poesia. Toda a aldeia de poetas e artistas estava em festa. E com isso, afinal, queria apenas dizer: a poesia vence a morte, amigo.
Ainda penso assim, que a poesia vence a morte. Os amantes do povo e da poesia estaremos ao redor do poeta nesse próximo 8 de abril.