04.04

 

Quando a denúncia é contra adversários, ninguém se preocupa com “responsabilidades éticas”.

Vandeck Santiago (texto)
Samuca (arte)

Vocês escutaram ontem a entrevista de Fernando Henrique Cardoso na CBN? Ele disse que a cassação do presidente Michel Temer, seguida da eleição indireta para substituí-lo, iria trazer “mais confusão” para o país. A frase exata foi assim: “Já temos tantas dificuldades hoje, o Congresso ainda vai eleger uma pessoa pra ser presidente por um ano? É mais confusão”. O julgamento do TSE que pode resultar no afastamento de Temer começa hoje. Para FHC, o setor mais atingido pelo processo – não necessariamente por um resultado de cassação, e sim pelo próprio julgamento – será o econômico. Novamente ele com a palavra: “A percepção das pessoas, especialmente dos investidores é: vamos ter outro problema no Brasil? Eles se retraem. O Brasil está há muito tempo de pernas para o ar, está começando a assentar um pouco. Levar muito tempo em um julgamento que põe em risco a situação vigente tem consequências negativas”.
Prestem atenção, bastante atenção, ao argumento: o que preocupa Fernando Henrique não é o mérito em si do julgamento, e sim as consequências do julgamento. A grosso modo, o raciocínio poderia ser utilizado também em favor de Dilma Rousseff, na época do impeachment.
Deixemos FHC de lado por um momento e vamos até outro nome de peso no PSDB, o senador Aécio Neves, presidente nacional do partido. Vocês viram a Veja deste final de semana? Em reportagem de capa diz que a Odebrecht depositou propinas para ele em Nova York, em conta de sua irmã, Andrea Neves.
Aécio reagiu indignado. “É mentira”, disse ele em nota oficial, texto que tem pelo menos duas frases merecedoras de especial atenção. Uma diz o seguinte: “É justo abrir procedimentos que se arrastam por anos, expor publicamente pessoas quando se sabe, desde o início, que uma acusação é falsa?” A outra: “Ainda nessa hipótese, do ponto de vista de responsabilidade ética, a simples palavra de um delator, quando fácil provar sua falsidade, deve ser suficiente para estampar manchetes acusatórias?”. A nota é dirigida ao público em geral, mas se as duas perguntas fossem dirigidas diretamente a mim, eu responderia: quanto à primeira, “não, não é justo”; e quanto à segunda, “não, não é suficiente”.
Mas antes caberia uma pergunta: e quando esses tipos de ações estavam sendo cometidas contra os seus adversários, quando alguns veículos de imprensa davam capas com informações que nunca se confirmavam, onde estava o senador Aécio? Ele apoiava as denúncias ou falava em “responsabilidades éticas”?…
Ainda sobre este caso, a pessoa acusada de ter a conta onde caía a propina da Odebrecht, Andrea Neves, irmã do senador, divulgou vídeo contestando indignada a denúncia. Até chorar ela chorou, o que é compreensível, porque uma pessoa que se considera acusada injustamente de um ato ilícito que diz nunca ter cometido, e que mancha sua honra, tem todas as razões de estar emocionalmente abalada. No vídeo de Andrea, uma frase também me chamou a atenção; é quando ela diz: “Eu não sei o que está acontecendo para tanto ódio e tanta irresponsabilidade, atacar de forma tão covarde a vida das pessoas”.
Não quero desdenhar do sofrimento pelo qual deve estar passando Andrea, mas forçoso é observar que “tanto ódio, tanta irresponsabilidade e formas tão covardes” foram despejados em doses maiores e mais frequentes contra adversários dela e do seu irmão – sem que em nenhum momento ela atentasse para, não digo nem “injustiça”, e sim “possibilidade de injustiça” que se estava cometendo…
Em outras palavras, avaliando em conjunto as posições aqui mencionadas de FHC, Aécio e Andrea: contra os adversários podem atacar com dois quentes e três fervendo; mas quando não é contra eles ou é contra mim, “injustiça” e choro…
A priori, não estou duvidando da sinceridade e da idoneidade de nenhum dos três, nem dos seus adversários. Não estou dizendo também que esse comportamento seja exclusivo dos tucanos; estou há muito tempo nessa observação da política para saber que, independentemente de partidos e ideologias, denúncias e condenação de adversários são comemoradas sem que ninguém atente para “responsabilidades éticas” ou “acusações sem provas” ou “ausência de crime de responsabilidade”.
Quem está do lado das baterias de onde saem os disparos sempre comemora. A postura pautada por um comportamento ético, ou mesmo por uma visão estratégica da luta pelo poder, não transigiria com “irresponsabilidades éticas” ou “acusações sem provas” ou “perseguições seletivas contra A ou B”. No primeiro caso, o do comportamento ético, por motivos óbvios; no segundo, o da estratégia, porque cedo ou tarde as baterias que disparavam contra seus adversários podem voltar-se contra você.