05.04

 

Novo projeto na PJALLB aproxima presos do conhecimento e da possibilidade de ser livres mais cedo.

Luce Pereira (texto)
Arte de Viver/divulgação (foto)

Do lado de fora das prisões não desfila apenas a indiferença de um sistema penitenciário acostumado a tratar detentos como o lixo social ou quase isto. Ao menos no Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros (PJALLB), uma das três alas do complexo que substituiu o antigo Aníbal Bruno, não. Há uma semana, o carrinho amarelo empurrado por um funcionário oferece, a quem quiser, um tipo de liberdade à qual poucos ali estão habituados – livros. Levar as obras até os potenciais leitores foi o ponto de partida do projeto Liberdade de Leitura, encontro feliz entre um prazer e a possibilidade de abreviar os dias no cárcere, segundo assegura a Lei 12.433/2011, que autoriza a remição da pena para o preso decidido a mergulhar no conteúdo de ao menos um título, no prazo de 22 a 30 dias. Na verdade, entrar em contato com o mundo da literatura e do conhecimento significa uma porta que se abre para a vida, independentemente da condição do leitor, esteja ele atrás de grades ou distante de qualquer dívida com a Justiça, porque a chance de refletir sobre a própria realidade segue se mostrando essencial para o crescimento humano. Isto, aliás, representa uma das formas mais legítimas e eficazes de ressocialização, palavra que o Estado continua a tratar como se, levada a sério, ela não produzisse verdadeiros milagres em pessoas atingidas pela violência praticada e da qual também são vítimas.
Por trás da ressocialização que não espera pelo Estado para existir na prática e tentar reverter o clima permanentemente tenso no sistema carcerário existem entidades e voluntários que se empenham em arregaçar as mangas. É o caso do filósofo e professor universitário Marcelo Pelizzoli, que cruza os corredores da PJALLB um dia na semana, para conversas “consteladas” com os detentos ou para alcançá-los através da música ou dos livros. Foi dele, inclusive, a ideia de conseguir espaço para montar uma biblioteca e de fazer uma campanha com o objetivo de atrair doadores, que ganhou até uma página no Facebook. Deu certo: hoje já existem mais de 2 mil títulos à disposição da população carcerária, porque, como diz Aurenice Accioly, uma das voluntárias mais atuantes da ONG Arte de Viver, “quando existem pessoas sérias por trás de projetos sérios, a sociedade comparece, dá apoio”. A ONG fundada pelo guru indiano Sri Sri Ravi Shankar, a propósito, já tem trânsito livre na casa por envolvimento em outro projeto, o Prision Smart, que busca reabilitar os detentos através de práticas como respiração e yoga. Os “alunos” são muitos, assíduos e não economizam elogios aos benefícios surgidos a partir daquilo que aprendem.
É fácil imaginar que por trás do caminho livre para a aproximação de entidades e voluntários há sempre gestores com cabeças abertas – convenhamos, característica pouco comum na reconhecida aridez do sistema penitenciário. O diretor Sidney Souza tem fama de ser dessas pessoas crentes em que ressocialização não pode existir sem o sistema enxergar nos detentos seres humanos e isto significa permitir que tenham oportunidade de liberar emoções. Neste contexto é que entra o trabalho da psicóloga Graça Novo, vista pelos presos como alguém sempre disposta a abrir portas para que recobrem a autoestima e deixem de ver a vida como a um pesadelo. Sempre que alguma prática de reabilitação se propõe a juntar-se às que já existem, lá está ela estimulando.
Naturalmente, os céticos e os incapazes de trocar o preconceito pela solidariedade poderão recorrer aos números dramáticos da violência nos presídios, sobretudo em 2016, para desvalorizar o trabalho de reabilitação dos detentos através de práticas propostas pelo voluntariado. No entanto, já contribuiriam de algum modo se pensassem que, sem isso, a realidade seria bem mais aterradora, afinal, a violência, quando não encarada de frente, parece resumir o enigma da esfinge – decifra-me ou te devoro.