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Capitã Lúcia Helena costuma divulgar número do celular funcional para população em palestras.

Marcionila Teixeira (texto)
Shilton Araújo (foto)

Do outro lado da linha, uma mulher pede ajuda. A filha, conta, é espancada pelo marido. A capitã da Polícia Militar de Pernambuco (PMPE) Lúcia Helena Salgueiro escuta o desabafo. Faz parte de sua rotina ouvir, acalmar, solucionar. Lúcia Helena sempre está em palestras. Em todas, divulga seu número de celular. Não se incomoda de ser procurada. Aos 32 anos, a oficial coordena o Grupo de Trabalho de Enfrentamento ao Racismo Institucional e a Patrulha Maria da Penha da PMPE. As ações fazem parte da Diretoria de Articulação Social e Direitos Humanos, comandada pelo coronel Jonas Barbosa.
A oficial dimensiona seu desafio. Segundo ela, no ano passado, o Centro Integrado de Operações da Defesa Social (Ciods) registrou 41 mil ocorrências relativas à Lei Maria da Penha. Os dados superaram as queixas de perturbação de sossego, que sempre estiveram em primeiro lugar. “Percebemos, através de opiniões no Judiciário e em centros de referência de atendimento à mulher, o impacto da Patrulha Maria da Penha junto às mulheres visitadas”. A patrulha tem 24 policiais atuando na capital e na Região Metropolitana. A função é acompanhar as mulheres vítimas de violência que prestaram queixa nas delegacias ou que têm medidas protetivas. “As vítimas sempre pontuam que o atendimento é acolhedor. É gratificante ouvir isso”. O efetivo é pequeno para uma demanda grande, reconhece a policial. Mas em casos de flagrante, explica, as viaturas mais próximas são enviadas.
O percurso na garantia dos direitos de uma mulher violada ainda é longo. Falta sensibilização de alguns profissionais. “Temos relatos de mulheres que chegam em delegacias e escutam o servidor dizer que ‘não pode fazer nada por ela’”. Para a capitã, é necessário ensinar às polícias Militar e Civil sobre o cuidado com o vulnerável como um todo, seja uma pessoa com deficiência, idosa, negra, dependente de drogas, em situação de rua… “O PM, por exemplo, vai lidar com alguém que não consegue atendê-lo porque é surdo. Ele pode até achar que a pessoa está fazendo ouvido de mercador”.
Mulher, negra, favorável à discriminalização das drogas e com uma posição de liderança na garantia de direitos humanos, Lúcia Helena é uma personagem emblemática na corporação. Em sua caminhada, escuta queixas de ambos os lados. Se a população exige providências contra policiais violentos, a tropa clama por respeito, diz. “Os presos falam que se não fosse a polícia eles seriam linchados. As pessoas não admitem, mas a PM milita pelos direitos humanos. Tem o mau profissional, mas a maioria defende a vida”.
Números da Secretaria de Defesa Social justificam a impressão negativa de parte da sociedade. Em 2015, 37 pessoas foram mortas pela PM em Pernambuco e 27 PMs terminaram assassinados no mesmo período. Em 2016, 57 pessoas foram assassinadas pela PM, enquanto 18 PMs caíram mortos em combate. Os dados cresceram em proporção inversa. Para Edna Jatobá, coordenadora do Gajop, é preciso perceber a violência policial além da letal. “Existe também a tortura, a abordagem desrespeitosa”.
No ano passado, a capitã representou a PM em audiências no Ministério Público de Pernambuco (MPPE) após denúncias no Disque 100 sobre violência policial. Uma das deliberações determinou uma formação com os PMs envolvidos na denúncia para melhorar o atendimento em uma comunidade no Cordeiro. “Passamos duas semanas oferecendo formação à tropa para desconstruir isso e, principalmente, o racismo. Voltamos na comunidade e os moradores relataram mudanças. Nossa sociedade é racista e esse policial faz parte dela. Quando eles se deparam com informação, têm a oportunidade de mudar”.
Lúcia Helena é como um braço em direção à mudança. É professora na disciplina diversidade étnico-sócio-cultural no Curso de Formação e Habilitação de Praças. Atuou diretamente em duas turmas com 72 alunos, mas suas orientações já chegaram a cerca de 1.500 alunos através de outros instrutores. Está há treze anos na PMPE. Precisará de mais tempo para ver a semente dos direitos humanos florescer firme na corporação.