21.04

 

Relatório associa agrotóxicos a aumento de casos de câncer e MPF pede urgência no resultado de análises.

Luce Pereira (texto)
Greg (arte)

De repente, as primeiras barracas de produtos orgânicos vão surgindo nos bairros e em pouco tempo as feirinhas aumentam de tamanho, conquistam a freguesia. Não apenas pela conversa cordial e amena dos produtores, geralmente pessoas de cabeça arejada, mas porque cresce na população a consciência de que a poderosa propaganda do agronegócio nacional o que faz é tentar esconder uma realidade dramática, escancarada, nesta semana, pelo chamado Dossiê Abrasco – um alerta da Associação Brasileira de Saúde Coletiva sobre o impacto dos agrotóxicos na saúde. Dados apontam que 70% dos alimentos in natura consumidos no país estão contaminados por essas substâncias e o que é ainda mais grave: desse percentual, 28% delas não são autorizadas pela Anvisa, isto sem contar o excesso contido em grãos geneticamente modificados, que entram na comida processada. No topo da lista dos alimentos com maior quantidade de “veneno” estão justamente a soja (40%) e o milho (15%). Aliás, a julgar pelo mal trazido à saúde dos consumidores, este é mesmo o termo mais apropriado para denominar tais substâncias. A título de ilustração do dano, seria como se cada brasileiro tomasse um galão de cinco litros de veneno por ano, na avaliação do Instituto Nacional do Câncer (INCA).
O INCA, inclusive, não se cansa de alertar para a ligação que o uso excessivo de agrotóxicos tem com a incidência de certos tipos de câncer e de doenças genéticas. No entanto – evidentemente, pelo poder econômico do agronegócio – o Brasil segue ocupando a primeira posição no ranking mundial de consumo deles. Enquanto se mantém no topo da lista, desde 2008, e leva o setor a crescer 190% em uma década o Brasil dá mostras de que caminha na contramão da tendência mundial de se ver livre da ameaça, pois mais da metade dos que hoje são largamente usados por aqui já foram banidos dos Estados Unidos e de países da União Europeia. Ter a saúde seriamente afetada parece ser, para populações que vivem no lado subdesenvolvido do planeta, apenas uma questão de tempo. As autoridades de saúde admitem que os casos de intoxicação aguda e crônica provocados pelos agrotóxicos já chegam a 70 mil por ano. Considerando a extrema gravidade da situação, o Ministério Público Federal acaba de enviar à Anvisa documento solicitando que seja concluída urgentemente a reavaliação toxicológica do glifosato, reconhecidamente perigoso, para que o herbicida – campeão de vendas em 2013, segundo o Ibama – desapareça definitivamente do mercado nacional. O pedido de urgência faz todo o sentido, uma vez que, em março, um estudo da OMS, do INCA e da Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer o associaram ao surgimento da doença.
É fácil deduzir que por trás da dificuldade do Brasil em se ver livre de ameaça tão alarmante esteja a força da indústria e da bancada ruralista, ostensivamente determinada a defender os interesses dos grandes produtores. Assim estaria explicada, em parte, a demora da Anvisa em concluir essas análises – a do 24D, por exemplo, substância presente na composição do chamado “agente laranja”, com que o exército dos EUA pulverizou cidades do Vietnam durante a Segunda Guerra Mundial e até hoje faz nascer crianças sem membros superiores e inferiores, teve início em 2006 e segue sem definição, enquanto a do glifosato começou em 2008. Neste campo, otimismo é uma palavra que não acha espaço, justamente pela pressão vinda dos grupos econômicos para que o país não mude uma vírgula da situação. Acredita-se que mesmo a Justiça conseguindo suspender o uso, o mal só sairá das prateleiras quando acabar os estoques. Portanto, considere a possibilidade de olhar com mais simpatia para as feiras de orgânicos, que pesam cerca de 30% a mais no orçamento em relação aos produtos “envenenados”, mas, ao contrário desses, trabalham a favor da perspectiva de maior longevidade. Não pode haver, sem dúvida nenhuma, relação custo x benefício que deva ser mais levada em conta.