26.04

 

Setores se unem contra projetos que podem crucificar a classe trabalhadora e arcebispo engrossa o coro

Luce Pereira (texto)
Samuca (arte)

Espaços públicos onde se aguarda o emperrado setor de serviços agir com a desejada eficiência são excelentes termômetros para medir a calma ou o nervosismo da população com temas nacionais pulsantes. E geralmente a melhor companhia para driblar a impaciência é o telefone celular, por onde as redes sociais são rapidamente acessadas. Pronto, feito isto, está criado o clima ideal para um pequeno debate. Segunda-feira, enquanto o número da senha não aparecia no painel digital, em um banco da Zona Sul, eu ouvia as conversas de clientes que ocupavam as cadeiras da pequena sala. “Esse presidente (Michel Temer) está brincando com fogo”, disse um senhor que aparentava uns 55 anos a outro com ares de já ter feito 45. A conversa era sobre as reformas trabalhista e da Previdência, que começam a ser melhor entendidas pelo cidadão comum, justamente o brasileiro mais sacrificado e a quem as contas dos desajustes do país costumam chegar. Seguiram-se as explicações: o homem que puxou a conversa tem um genro professor e o rapaz não se deu por vencido até conseguir trocar em miúdos as matérias que começam a ser votadas – primeiro a trabalhista e, no começo de maio, a da Previdência. Passou então a dizer, com a pressa que a ocasião sugeria, os malefícios para os futuros aposentados: perda de direitos, aumento dos anos trabalhados, precarização do trabalho. Mostrou-se decidido a acompanhar o genro na greve geral marcada para a próxima sexta-feira.
A “brincadeira com fogo” a que o senhor se referia era justamente essa – manifestações como a do dia 28, que promete parar os setores mais importantes da economia e cujo clima parece ter sido antecipado já desde a véspera da apresentação do parecer da reforma pelo relator, Arthur Maia (PPS- BA). O Congresso Nacional teve os vidros quebrados por um grupo de policiais que invadiu a casa e foi enfrentado pela força de segurança do prédio. Na ocasião, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, disse “a gente não pode se intimidar e as pessoas não precisam pressionar dessa forma a Câmara para ter o diálogo”. Mas é exatamente na palavra “diálogo” que está a grande ferida. Melhor dizendo, na falta dele. Em 6 de dezembro de 2016, sem nenhuma consulta à sociedade, o governo de Michel Temer enviou ao Congresso a PEC 287, que estava longe de lembrar presente de Papai Noel – era, na verdade, o maior e mais drástico conjunto de mudanças na Previdência Social desde a Constituição de 1988.
Mas trabalhadores de todos os setores dão mostras de que não vão aceitar o fim de direitos conquistados, porque entendem o déficit na Previdência apenas como fruto de maus passos dados pelo governo. Resultaria de benefícios, renúncias e desonerações fiscais concedidas a grandes empresas. Em seminário recente em Brasília, entidades que reúnem trabalhadores da CEF e de fundos de pensão denunciaram que “mais de R$ 60 bilhões que teriam de ser recolhidos por meio das contribuições previdenciárias aos cofres públicos desapareceram em razão dessas políticas de incentivo ao setor privado”. Ou seja, a conta da má gestão acaba quebrando nas costas exatamente de quem não escapa de fazer o dever de casa. De acordo com a Carta Capital, que cobriu o evento, o governo esqueceu de considerar como receita previdenciária – embora seja previsto pelo sistema de seguridade – a arrecadação originada da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (Cofins), PIS-Pasep e loterias. Para professores- economistas como Denise Gentil Lobato, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, os brasileiros não fazem ideia da gravidade contida na reforma.
Sim. Tão grave, a situação, que também a Igreja resolveu gritar junto, para ver se o país desperta e sai às ruas contra a ameaça. Em um vídeo, o arcebispo de Olinda e Recife, dom Fernando Saborido, apela a todos para participar da paralisação da próxima sexta-feira, dando ênfase aos enormes prejuízos que devem recair sobre os ombros da classe trabalhadora, caso as reformas sejam aprovadas. É preciso ouvir, pois, quando o futuro de milhões é tratado a portas fechadas, não há outro remédio.