29.04

 

Greve provou que é ingenuidade apostar na apatia e num caminho sem obstáculos para devastar conquistas sociais.

Luce Pereira (texto)
Editoria de arte (imagem)

Governos que “desferem” medidas violentas contra a população sob o argumento de que são importantes para impulsionar o desenvolvimento do país sempre precisaram de uma conjuntura altamente favorável para aprová-las: sociedade desmotivada e desmobilizada; diálogo e debate negligenciados; classe política em franca decadência, em termos de credibilidade; instituições fragilizadas; feriados em profusão, para debilitar ainda mais os projetos de resistência; sindicatos sendo postos à prova; e ainda uma dose de indiferença surpreendente no tamanho e na persistência, como se a autoridade máxima do país se imaginasse lidando com uma multidão de vencidos. Em resumo, a democracia contra a parede. Sim, qualquer semelhança com a realidade atual não é mera coincidência, mas pode haver erro de avaliação – por exemplo, quando o governo imagina que as ruas são incapazes de refletir, de forma convincente, a insatisfação com perdas de direitos e perspectivas sombrias de futuro. A greve geral desta sexta-feira – que não foi um movimento das centrais sindicais, como insistia em classificar parte dos veículos de comunicação, e sim uma resposta dos trabalhadores ao contexto adverso que enfrentam – provou que é ingenuidade apostar na apatia geral e num caminho sem obstáculos para seguir devastando conquistas sociais legítimas, aperfeiçoadas durante décadas. O governo, afinal, não pode se sobrepor ao país e não deve ser respeitado exceto quando ficar extremamente clara sua determinação em servi-lo, consequentemente, ao povo. E eis que vai chegando o 1º de Maio.
Sem sombra de dúvida, o país necessita de reformas profundas, mas, exatamente por serem profundas, não poderiam existir sem a participação dos cidadãos, que terão a vida excessivamente afetada por elas. Resolver por todos ou delegar a tarefa a um Legislativo que sofre de descrédito crônico significa, no mínimo, negligenciar a capacidade da população de decidir sobre o que é melhor para si mesma. Um cenário assim leva a crer que este seja, talvez, o Dia do Trabalhador mais carente de uma reflexão ampla. Dia de esquecer o feriado gordo (o terceiro consecutivo) e imaginar o cenário futuro em que estarão inseridos, com a precarização do emprego, a perda de direitos, a submissão a regras que fragilizam a dignidade profissional e a dificuldade de acesso à aposentadoria. Dia de refletir por que o governo prefere sempre o caminho mais curto – cobrir déficits com o sacrifício dos trabalhadores – e nunca o mais acertado, reconhecer os próprios erros, equívocos e inabilidades, propondo, ao menos, uma saída compartilhada. Seria um caminho aberto ao o diálogo, mas não há nada que aponte para interesse neste sentido. No fim das contas, além do sacrifício, o cidadão comum ainda experimenta a incômoda sensação de estar sozinho, sem poder esperar do Estado o que nunca deixará de ser tarefa do Estado, ao menos numa democracia: reconhecer necessidades e dar respostas convincentes a elas.
O Brasil precisa de reparos e a consciência dos cidadãos, também. Primeiro de Maio – este, sobretudo – não é para gente empregada e gente que estima o país estar tratando o dia como feriado gordo, daqueles em que a consciência não dói diante do churrasco, da cerveja, do mar azul, embora todos mereçam um mínimo de qualidade de vida. Ante a gravidade das decisões que estão sendo tomadas sem debate com a população, é dia de refletir sobre o que é possível fazer por um futuro menos sacrificado, mais digno e justo. Pensar ainda é possível e sempre será o verbo capaz de fazer frente a qualquer cenário hostil aos interesses da população. Pensemos, pois, para que seja cada vez mais viável imaginar um país em consonância com as necessidades de quem o constrói.