05.05

 

Brasileiros que não esperam pelo poder público e se lançam à tarefa de reflorestar espaços urbanos.

Luce Pereira (texto)
Greg (arte)

Era a primeira semana de novembro de 2016 quando a coreógrafa Deborah Colker e sua companhia iniciavam uma série de oficinas por alguns municípios do Sertão, do Agreste e no Recife como parte do novo espetáculo do grupo, O cão sem plumas, em parceria com o cineasta Cláudio Assis, a quem fora confiada a parte documental do projeto. Findos os ensinamentos nas comunidades, chegava a hora da intervenção, na noite do dia 24, apresentada através de telões colocados no Marco Zero até onde o espetáculo navegaria, a partir do parque das esculturas de Francisco Brennand. Mas a “capitã” daquela nau, durante as entrevistas que antecederam o espetáculo, se dizia perplexa com o nível de desrespeito à natureza encontrado durante a estada no interior. A falta de verde era o que mais a surpreendia e justificava o calor intenso. “Vamos plantar árvores, por favor”, apelava, sem saber que bem perto de lugares por onde havia circulado existia um professor de matemática cujo maior mérito está exatamente em entender a dimensão desta necessidade. Cinquenta dos 67 anos de João Florindo (Nino) foram dedicados a tornar verde a cidade de Aliança (Mata Norte) com o plantio sistemático de mudas. Nunca quis esperar que o poder público lembrasse da responsabilidade que tem neste quesito e continuou plantando. Em junho, quando chegar a Semana Mundial do Meio Ambiente, deve olhar para a data com a esperança de quem não foge à luta. São poucos com consciência tão tranquila.
Diferentemente dos governos, que não apenas constatam os danos como permitem que eles alcancem níveis assustadores, o professor Nino tratou de fazer o dever de casa colocando a mão na massa com perseverança surpreendente. Faz as mudas no sítio de sua propriedade e depois sai a plantá-las nos espaços onde há maior necessidade, para não correr o risco de se deparar novamente com o cenário que o tornou parceiro da natureza: a mata devastada e população sofrendo com o aumento da temperatura. Mesmo assim, enfrentando sozinho o desafio de fazer o verde retornar à paisagem, nem sempre foi entendido por pequena parte dos habitantes, que roubavam as mudas de palmeira imperial com as quais pretendia tornar o acesso a Aliança mais bonito. Não desanimava, contudo. Acabou optando por espécies menos cobiçadas e as boas-vindas que o verde dá aos visitantes, logo que chegam, é a prova do quanto o trabalho se apresenta vitorioso. Portanto, parece pouco provável que alguém na cidade, hoje, não conheça o cidadão que, com as próprias mãos, ajudou a melhorar a qualidade de vida de milhares. Alguém consciente, afinal, capaz de entender que sem cuidar da natureza o homem se entrega à própria sorte.
Mas, embora o Brasil seja um país de dimensões continentais, pessoas com propósito semelhante ao de João Florindo acabam descobertas e reunidas como exemplo de determinação e dedicação à tarefa de socorrer o meio ambiente, sem esperar por nada nem ninguém. Bom em matemática, o professor já não consegue calcular quantas mudas plantou – e é compreensível, pelo número de anos em que está mergulhado na tarefa. No entanto, para o homem que viu surgir um parque a partir de sua intenção de salvar um córrego na Penha, bairro da Zona Leste de São Paulo, as contas parecem mais simples: Hélio da Silva, 64, executivo de uma empresa de alimentos orgânicos, estima que foram mais de 18 mil em 14 anos de trabalho. O resultado é que quatro anos depois do plantio a prefeitura decidiu transformar aquele corredor verde de 3 quilômetros de extensão no Parque Tiquatira, com mais de 150 espécies. E mesmo no Recife, uma cidade extremamente maltratada pelas altas temperaturas, existe quem resolva arregaçar as mangas e contribuir. É o caso do também professor (universitário) e empresário Nélio Fonseca, que supõe já ter distribuído e plantado mais de 20 mil mudas de plantas presentes na Mata Atlântica. Percorrendo escolas, Fonseca espera convencer mais pessoas e ampliar a cruzada contra a falta de verde, um dos males mais crônicos da cidade. São posturas tão civilizadas, de gente consciente e comprometida com a saúde do planeta, que qualquer aplauso não alcança a importância do trabalho. Só seguindo a lição.