18.05

 

Esta é a história do homem que enfrentou o conservadorismo católico para pregar valores sociais.

Silvia Bessa (texto)
Alcione Ferreira (foto)

Se é para falar de quebra de tabus, da luta de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros em Pernambuco, que se exalte o padre católico Glênio Guimarães. Porque ele aqui fez a diferença nesta luta ainda atual para a derrubada do preconceito à diversidade sexual, mesmo cercado pelos dogmas da instituição religiosa da qual faz parte. Porque quando o papa não era o Francisco, que defende o perdão a homossexuais pela forma como foram tratados pela Igreja, Glênio já praticava a pastoral todos os dias e no seu entorno. “Padre Glênio foi importantíssimo na acolhida a gente. Um dia conto esse episódio em livro”, disse Maria do Céu, promoter, presidente do Instituto Boa Vista e uma das mais importantes ativistas LGBT do estado.
Maria fala do momento em que o padre foi abençoar a primeira grande festa gay em Noronha, a Love Noronha, e do tanto de simbolismo que a iniciativa dele foi e é cercada. Do quanto gestos assim representam na luta contra a homofobia. Era 2011. Havia resistência da população para a visita em massa de simpatizantes LGBT durante os dias do evento. Maria do Céu, que cresceu em meio a uma família católica, resolveu visitar o padre e levar o convite naquele mês de agosto. Cumpriria um ritual que desenhou como forma de manter a política da boa vizinhança. Glênio,um padre que assumiu a paróquia do arquipélago após 50 anos sem pároco, a recebeu. Eles conversaram.
“Eu não esperava nada além do encontro”, contou Maria do Céu. Mas o padre não se limitou às formalidades. Quem diria, numa noite de sexta-feira, às vésperas da festa, Glênio surpreendeu ao chegar no Bar do Cachorro – local onde funciona uma tradicional balada de Noronha. Apertou a mão de um, de outro, numa boas-vindas histórica para a comunidade LGBT. “Fui e não me arrependo. Foi um auê danado que não vale a pena citar, mas certamente foi a parte mais conservadora da comunidade que ficou indignada”, explicou-me ontem, da Paraíba, por telefone. “Mas Jesus também passou por isto. Não iria ficar. Fui marcar presença e não poderia ser censurado”, completou.
No domingo daquele final de semana, dia da tradicional missa católica, o padre Glênio foi além. Citou o Love Noronha para a alegria de Maria do Céu, a organizadora. “Deus é isso. É diálogo, é amor, é paz, e independe da identidade de uma pessoa e dos desejos sexuais dela”, resumiu Maria do Céu ao lembrar ontem, 17 de maio, data em se que comemora o Dia Mundial contra a Homofobia, a história de Glênio que deixou a paróquia em maio de 2013. “Este ano faremos a 6ª edição do Love Noronha e eu só voltei nos anos seguintes por causa dele”, analisou Maria.
Glênio, um tipo atlético que curte esportes e ficou conhecido nacionalmente por praticar surf e se aproximar da juventude para fazer suas pregações, é um padre atípico. Se posiciona sobre a diversidade sexual assim, sem alardes, mas se mantém fiel ao que acredita. Em 2015, na onda de fotos com sobreposição de arco-íris no perfil pessoal do Facebook, ele coloriu sua imagem. Não costuma fazer do tema uma bandeira (“falo quando posso mas falar toda hora, um tema só fica inconveniente”), mas trabalhava com a temática nas missas que conduzia até três anos atrás quando estava dentro das igrejas e dissemina seus pensamentos nas ruas.
“A gente tem de ser misericordioso. Não é um pecado, erro ou desvio. É uma possibilidade de amar e Deus abençoa a todos nós”, disse-me ao ser questionado sobre o que pensa a respeito do homosexualismo. Padre Glênio, hoje com 55 anos, atualmente trabalha na Diocese da Paraíba, a qual é ligado, e se dedica àqueles que vivem nas ruas de João Pessoa – especialmente travestis, prostitutas, recicladores, hippies e moradores sem lar. “Com travesti ou qualquer outro grupo, mostro que estamos sempre em missão de paz, de solidariedade”. Com formação acadêmica em filosofia, teologia e odontologia, ele comemorou em 2016 Bodas de Prata, ou seus 25 anos de ordenação.
Padre Glênio é espécie rara – assim como o papa Francisco – na luta contra a homofobia dentro de instituições religiosas.