24.06

 

Protestos por um São João autêntico ganharam dimensão nacional e prefeituras se viram em saia justa.

Luce Pereira (texto)
Jarbas (arte)

O grito continua sendo uma das armas mais precisas do arsenal da população para acertar alvos que incomodam – pessoas, comportamentos, situações ou coisas com status de pedra no sapato. Não está sendo diferente em relação à campanha através da qual forrozeiros de raiz e amantes da genuína cultura nordestina andaram reivindicando #DevolvamNossoSãoJoão, num justo desabafo contra o protagonismo de artistas de outras regiões em palcos importantes da festa como Caruaru, Campina Grande (PB) e Gravatá. A história ganhou dimensão nacional desde a entrevista da cantora Elba Ramalho na abertura do ciclo junino na Capital do Forró, onde ela é persona gratíssima, e espalhou-se feito fogo em rastilho de pólvora até culminar com a reação (nada consistente) de alguns ditos cantores sertanejos.
Mas, na verdade, não são eles os culpados pelo fato de a festa, atualmente, refletir mais o poder de pressão, inserção e barganha da indústria fonográfica do que as tradições juninas. A maior parcela deste avanço deve ser debitada mesmo é na conta de prefeituras e governos, de cujos cofres saem os gordos patrocínios para bancar as apresentações, muitos deles questionados pelo Ministério Público, tal a incompatibilidade do valor pago com as finanças do município ou mesmo diante de diferença considerável entre contratos celebrados nas mesmas condições com outras gestões públicas. Apesar dos esperneios, ainda assim, prefeituras como Gravatá e Carpina foram questionadas sobre cachês pagos à banda Aviões do Forró e ao cantor Wesley Safadão, este último atração maior da festa em Carpina, município cuja economia está longe de justificar o pagamento de cachê de quase meio milhão de reais por um show. Se não for ilegal significa, no mínimo, falta de sintonia com as verdadeiras necessidades da população.
Mas os esperneios são ouvidos, sim, embora, em alguns casos, não obtenham resposta na mesma intensidade. Neste ano, a grade de programação de Caruaru cresceu no respeito a esse desejo de parcela considerável da população de ter uma festa mais autêntica, sem falar na acertada decisão de criar polos para os festejos em alguns bairros. Sim, melhorou, mas ainda carece de grandes reparos. Lembremos do caso da cantora Márcia Fellipe, que havia convidado os Mcs Troia e Tocha para o show, quinta-feira, no Pátio de Eventos. A artista é dona de um trabalho sem o menor vínculo com o São João de raiz e ainda chama para o palco dois representantes de um segmento que caminha para o lado oposto de qualquer festa junina. Por alguma razão que a prefeitura não perdeu tempo em esclarecer com detalhes, os dois foram vetados, mas acolhidos pela gestão de Santa Cruz do Capibaribe (Agreste), segundo disseram em suas redes sociais, reclamando de “preconceito”. Seria bom que a dupla usasse esta desculpa para os gaúchos, uma vez impedida de cantar em um daqueles centros de tradição cultural do estado. Não funcionaria, com certeza.
Considerando positivos os protestos e as respostas a eles, espera-se que no próximo ano o São João do Nordeste pareça mais com o São João do Nordeste e não apenas nos palcos. É preciso enfatizar os folguedos, a gastronomia, as quadrilhas matutas e todos os outros elementos que representam a festa. Já há, inclusive, manifesto para que o governo de Pernambuco, assim como fez em relação ao carnaval, comprometa-se a garantir, entre as atrações patrocinadas com dinheiro público, a maior parte de artistas da terra. Chamem a medidas assim o que bem entenderem, mas sem elas cultura nenhuma sobrevive.