27.06

Autor diz em livro que Dilma Rousseff foi afastada da Presidência por não ter sido “maquiavélica”.

Vandeck Santiago (texto)
Sidney Lopes/EM/D.A Press (foto)

Que narrativa vai prevalecer sobre o impeachment? Parece cedo para responder a esta pergunta, mas os acontecimentos políticos estão se dando em tal rapidez, e com tantas reviravoltas, que em vez de prematura a abordagem do tema tornou-se atual. “Em pouco mais de um ano, quase todos os articuladores do impeachment estão delatados ou na cadeia”, escreveu domingo o colunista de Política da Folha de S. Paulo, Bernardo Mello Franco, em artigo sobre o governo Michel Temer. Em outro jornal paulista, Estado de S. Paulo, matéria da semana passada destacava lançamento de livro do cientista político e jornalista Ricardo Westin, cuja tese é que Dilma Rousseff caiu porque não foi maquiavélica. Se tivesse seguido as lições políticas que Maquiavel elencou no livro O Príncipe, não teria sido atingida pela movimentação de “conspiradores”, segundo ele.
Uma dessas lições é a de inspirar medo nos aliados. Em 2015, por exemplo, na eleição para presidente da Câmara dos Deputados, Dilma ameaçou de represálias os parlamentares que não votassem no candidato do governo, Arlindo Chinaglia. Quem ganhou com facilidade, no primeiro turno, foi Eduardo Cunha. Em vez de cumprir as promessas (de represálias), Dilma não puniu ninguém. “Os deputados acharam que valia a pena trair novamente”, resume Westin.
Aí você, leitor ou leitora inteligente, contesta: “Ah, isso é coisa de um livro de 1532. Não tem nada a ver com a política real de hoje”. E eu, humildemente, lhe trago um fato da semana passada. No dia 20, terça-feira, a proposta do governo para a reforma trabalhista foi derrotada por 10×9 em uma comissão do Senado. A derrota não impede a tramitação do projeto. “O que vale é a votação no plenário”, disse o presidente Temer. Pois bem, no dia seguinte, o Diário Oficial da União já trazia a exoneração de dois indicados do senador Hélio José (PMDB-DF), que no dia anterior votara contra a proposta do governo. Um era diretor de Planejamento da Sudeco (a Sudene do Centro-Oeste) e o outro superintendente do DF da Secretaria do Patrimônio da União. Souberam que estavam demitidos ao chegar para trabalhar. Deliberadamente ou não, o fato é que governo Temer parece estar atento aos ensinamentos de Maquiavel e cuidando de inspirar medo para evitar novas traições… O título do livro de Westin é A queda de Dilma – os bastidores do impeachment da presidente que desprezou as lições políticas de Maquiavel. Para o autor, o impeachment foi “um pouco golpe” e “um pouco puramente técnico”.
É possível identificar com clareza o ponto de inflexão da avaliação sobre o impeachment – foi a sessão de abril do ano passado, na Câmara dos Deputados, quando, em seus votos, diversos parlamentares recorreram a homenagens a familiares e louvor religioso. De lá para cá tivemos a revelação de denúncias de corrupção contra políticos do alto e do baixo clero que haviam se destacado na luta (e na votação) pelo impeachment. O grande artífice do impeachment, o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, foi chamado pelo Procurador-Geral da República como “delinquente” e ao determinar o seu afastamento o ministro do STF Teori Zavascki disse que ele era “um pejorativo que conspira contra a própria dignidade da instituição por ele liderada”. Cunha foi cassado pelos próprios colegas e está hoje na cadeia. Os holofotes que até então estavam concentrados apenas em uma parte do território conflagrado foram pela força das circunstâncias movidos para outras partes, e assim surgiram questionamentos a instituições e personalidades – incluindo aí, por exemplo, integrantes do parlamento, do (novo) Executivo, do STF e TSE.
Em pouco mais de um ano, muita coisa mudou. Há livros já publicados e documentários sendo produzidos. A narrativa sobre o impeachment está em construção, há fatos e articulações que não estão suficientemente esclarecidos – mas os acontecimentos políticos que se sucederam já tiraram a máscara de muitos que se aproveitaram do movimento para tentar parecer o que não eram.