28.07

 

Mau comportamento é tanto que China faz lista negra para punir desordem praticada por chineses fora do país

Luce Pereira (texto)
Editoria de arte (imagem)

Em temporada de férias, olhe para o rosto de moradores de cidades muito turísticas, mundo afora: geralmente passam reto, não cumprimentam e fazem questão que o visitante calcule o abuso deles em dividir espaços e serviços com uma multidão pouco interessada em rezar pela cartilha da cultura local. Muitos dos que podem se mudam para os arredores e só vêm à cidade se houver alguma urgência. Vi isso mais claramente em Viena (Áustria), Veneza (Itália) e Praga (República Tcheca), nesta última de forma até meio acintosa. E os que trabalham no ramo são os primeiros a demonstrar antipatia: apanham as malas, as colocam no automóvel do traslado e não dizem uma palavra até chegar ao destino. Praticamente não agradecem e muito menos dão as boas-vindas, não porque a barreira da língua se impõe, mas pela perspectiva de viver dias barulhentos, com gente de vários lugares e países lotando tudo, tão numerosos que parecem saltar das xícaras de café, nos restaurantes e lanchonetes. Além disso, alguns viajantes já são famosos pela completa despreocupação em lembrar que não estão em sua casa ou na da sogra. Italianos e brasileiros, por exemplo, bem conhecidos pela balbúrdia.
Muito recentemente, as redes sociais ajudaram a reforçar esta tese e a de que quando turistas descobrem algum paraíso o sossego da população está com os dias contados. Foi assim com o vilarejo suíço de Lavertezzo, a meio caminho da fronteira com a Itália, que perdeu o sono ao ter um vídeo de seu rio de águas cristalinas comparado às Ilhas Maldivas e enfatizando a distância de apenas uma hora de Milão. O vídeo de um minuto feito por amigos que passavam férias por lá viralizou e atraiu grande número de visitantes, daquele tipo indiferente a regras básicas de educação doméstica. Meias, latas e cigarros deixados no chão, gente praticamente nua correndo por todos os lados e transformando ruas em banheiro a céu aberto escandalizou a população. O prefeito foi obrigado a se pronunciar, mas o fez num tom diplomático, pedindo que os patrícios respeitassem as regras de estacionamento de veículos. Até isso.
Não deveria ser este o preço pago por lugares que recebem turistas e engordam suas receitas com o dinheiro deixado por eles, mas o nível de educação não melhora e não alimenta expectativas de dias melhores na convivência entre quem mora e quem chega. Ano passado, eu voltava de uma visita à cidade de Auvers-sur-oise, perto de Paris, onde o pintor holandês Van Gogh viveu os últimos dois meses de vida (no Albergue Ravoux) e está sepultado, quando vejo o motorista do carro que me levou reclamar muito ao notar uma pequena quantidade de garrafas pets, restos de alimentos e embalagens deixadas às margens da pista. Desolado, pediu desculpas e apressou-se em dizer que aquilo não era coisa de franceses, mas de gente de fora. Imaginei logo o que ele não sentiria vendo aqui os rastros da má educação de quem visita se juntar aos da má educação de quem recebe e o resultado final – que é mesmo de matar de vergonha.
Na China, como o governo prefere sempre a energia à diplomacia, as lições para ensinar regras de bom comportamento a chineses que viajam para fora começaram. A partir da criação de uma lista negra, quem tiver atitudes consideradas antissociais passa dois anos com o nome figurando entre os desordeiros. A Administração Nacional do Turismo (ANT) criará uma base de dados que será transmitida para a polícia e os bancos, esperando assim não sofrer mais constrangimentos com uma imagem ruim do país sendo criada por onde passam seus patrícios, considerados dos piores turistas do mundo, pois brigam, gritam, aprontam. Já no Brasil, não se sabe de nenhuma preocupação do governo neste sentido, mesmo tão habituado com notícias como a de que até nas filas da bilheteria da Disney existem comediantes da Flórida ridicularizando a algazarra dos brasileiros e os rastros que ficam pelo chão com a passagem deles. Numa hora o país aprende, mas o mundo não é tão paciente assim e também pode criar sua própria lista negra: não entraria mais no país quem fosse pego tratando a casa dos outros como a da sogra.