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Ele chegava no seu ritmo lento, o corpanzil de décadas de histórias acumuladas primeiro na vida boêmia do Bairro do Recife antes do Marco Zero, depois nas experiências frustradas no trabalho e no amor, que com os problemas de saúde acabaram lhe conduzindo para uma militância religiosa que beiraria a chatice, não fosse Meuse Nogueira um dos cérebros mais brilhantes do jornalismo pernambucano.

Se não tivesse partido na noite de domingo, vítima das complicações de um AVC, este primeiro parágrafo teria sido completamente riscado por ele, onde já se viu fazer o leitor mergulhar num emaranhado de palavras sem pausas para respirar? Até sua aposentadoria em 2014, dividi por muitas noites uma larga mesa na sede do Diario de Pernambuco em Santo Amaro, encarregados os dois de revisar as páginas antes de se transformarem em jornal.

Aprendi muito com Meuse e ele também comigo, porque a diferença de décadas de idades não significava barreira entre nós quanto ao bom uso da crase e da clareza na escrita. Éramos como os últimos dos moicanos na questão da correção do texto. Salvamos os leitores do Diario de muitas barbaridades, mas não podíamos defender todas as bolas. Até porque os editores tinham pressa, que demora danada em ler uma página. Não percebiam eles que Meuse era o primeiro e o melhor dos leitores, aquele que valorizava o trabalho do jornalista. O que fica nos bastidores passando o texto para o ator receber os aplausos.

O jornalismo praticado nos dias de hoje não tem mais ponteiros. Com a pressa do digital muitas vezes publica-se para corrigir depois. É o dilema vivido nas redações entre gerações e formações diferentes de profissionais. O ritmo de Meuse era lento. Nas nossas conversas noturnas, sabia ele que pregava cada vez mais no deserto em relação ao bom trato da língua portuguesa. Seu corpanzil se movia em câmera lenta a cada fim de jornada, retinas cansadas de tantas páginas riscadas. Desta vez, o pernambucano nascido em Água Preta há 70 anos não volta mais. Obrigado, Meuse. Nós e todos do Diario. E perdoe este obituário que precisava de um bom revisor como você.

Foto: Heitor Cunha/ DP/ 2008