02.08

Ao usar biquíni, ignorando críticas, a atriz Betty Faria acabou como símbolo de reação ao preconceito.

Luce Pereira (texto)
Reprodução da internet (foto)

O Brasil, segundo a veterana atriz Betty Faria, ficou muito careta. De fato. E isto é mais do que evidente nos episódios que ela protagoniza na vida real depois de ter deixado para trás a mocinha sexy, bonita o bastante para povoar a imaginação dos fãs, sobretudo homens, com fantasias impublicáveis. Aquilo era nos anos 1980 e 1990. Hoje, aos 76, muito espontaneamente acabou se tornando ídolo de “senhoras” nada satisfeitas com o preconceito de que são vítimas em situações as mais variadas e comuns no cotidiano, apenas pelo fato de gerirem a própria vida sem prestar atenção em regras e padrões sociais. Betty, afinal de contas, é da geração da também atriz carioca Leila Diniz (apenas quatro anos mais velha), um ícone nacional que viveu menos de três décadas, mas tempo suficiente para, também, deixar uma imagem de cidadã que não leva desaforo para casa. Supondo que a fatalidade do acidente aéreo naquele 14 de junho de 1972 não a tivesse alcançado, Leila provavelmente estaria hoje engrossando o cordão daquelas mulheres que não se dobram a convenções e rótulos e indo dar mergulhos no Leblon usando biquíni, como fez quando estava grávida, desafiando o conservadorismo da época. Nenhuma das duas jamais foi de dourar a pílula e tudo leva a crer que Betty seguirá assim até o último dia.
Na opinião dela, a velhice não tem nada de maravilhoso, mas, também, não deve ser encarada como uma sentença ou impedimento para lidar com o físico da maneira que melhor aprouver às pessoas. Trocando em miúdos, o processo de envelhecimento – que recusa chamar de “melhor idade”, em função das restrições do corpo – está de fato é na cabeça. Tanto assim que se irritou profundamente ao ver sua decisão de ir à praia de biquíni, em abril de 2013, se transformar em celeuma nacional, com mais gente lhe apontando o dedo do que reconhecendo tratar-se de um direito dela. A tal caretice, que ganhou tribuna poderosa a partir das redes sociais, achou, pois, de pretender resumir uma juventude inteira dedicada à liberdade de pensamento, atitude e expressão aos padrões vigentes, segundo os quais não pega bem uma senhora de 76 anos estar deixando à mostra a decadência do patrimônio físico. Betty esperneou um bocado dizendo que não tinha problema nenhum em assumir a idade nem a aparência atual e ganhou apoio significativo entre simpatizantes e colegas de profissão.
Por que não se conformar em ser aquela avó com roupas, conceitos e gestos bem comportados incomoda a tanta gente, mesmo quando se foi jovem numa geração para a qual era “proibido proibir”? Ela não sabe, mas diz que, com os anos, o que queria era justamente poder desfrutar em paz da liberdade, sem julgamentos nem dívidas. De volta às novelas (já fez mais de 30), em A força do querer (TV Globo), deu entrevista, nesta semana, resumindo todo o desconforto trazido pelo avanço do tempo com a frase “melhor idade é o cacete!”, que pode não soar harmoniosa aos ouvidos dos conservadores, mas traduz bem a falta de papas na língua pela qual vem sendo lembrada. Betty não faz concessões em relação ao assunto nem abre mão do tom áspero para condenar a “caretice”. No programa Amor & Sexo, da mesma emissora, elegeu como alvo dos bombardeios o “politicamente correto” e deixou a apresentadora, Fernanda Lima, um tanto quanto embaraçada.
Embora o tema velhice encontre na atualidade muita gente disposta a colocá-lo de pijama, na indefectível cadeira de balanço, adequado seria enxergar o óbvio: os que vão dobrando a curva dos 60 anos fazem parte de uma geração decidida a não ter chamego nenhum com cerceamentos, ainda mais se dizem respeito à maneira de se conduzir em sociedade. Betty Faria já disse que quer ir até o fim usando biquíni (não burca), assumindo sua nova condição física e sem a menor disposição para negar as reais dificuldades surgidas com o correr dos anos. E só um país que passa atestado de atraso, ao criticá-la, pode se colocar como pedra nesse caminho.