17.08

 

Esta é a história de como Laércio Albuquerque chegou ao sucesso com a ajuda do pai.

Silvia Bessa (texto)
Nando Chiappetta/DP (foto)

Laércio sempre soube a quem recorrer quando precisava lidar com o crash da bolsa de valores dos Estados Unidos ou a pressão de investidores. Ligava para o pai, seu Anísio. “Alô, pai, tudo bem aí?”. Seu Anísio, que nunca entendeu direito como o filho conseguia trocar o carro todo o ano e o porquê de aparecer em tantos jornais, por vezes usava da honestidade para dispensá-lo: “Oh, filho, não posso falar agora”. Está mal?, perguntava Laércio. “Não, é que um tatu entrou no meu poço, está melando tudo e a vaca não pode estar bebendo a água”. Silêncio na ponte aérea telefônica São Paulo-Batayporã, um grotão de 15 mil habitantes no interior do Mato Grosso do Sul. “Como é bom ouvir este tipo de coisa. Que se exploda o dólar”, pensava Laércio Albuquerque ao desligar.
Executivo dos mais bem-sucedidos no país com atuação em multinacionais, hoje presidente da Cisco Brasil, Laércio poderia estar em qualquer país, hotel ou na sala de sua confortável residência, mas todos os domingos às 9h se conectava afetivamente com a família para fazer a resenha em tempo real do programa de músicas caipiras “Viola Minha Viola”, comandado por Inezita Barroso. E aí, davam pitacos sobre as modinhas. Inezita morreu em 2015. Seu Anísio se foi em janeiro deste ano, aos 79 anos. O hábito se mantém.
É possível dizer que Laércio saiu de Batayporã, da casa de taipa com apenas um vão onde nasceu pelas mãos de uma parteira; Batayporã, entretanto, nunca saiu dele – assim como os valores e conselhos paternos que levaram o filho número três a ter alcançado a ascensão dos sonhos.
Pode estar aí uma das chaves do sucesso de Laércio. Menino, dadas as proporções e condições, pensava tanto no futuro quanto hoje, aos quase 47 anos. Seguiu o exemplo do pai, que trabalhava de domingo a domingo, sem interrupção. Aos dez anos, saía às ruas com o irmão mais novo em busca de papelão. O cobre também era bem-vindo. “Nunca nos faltou comida mas eu tinha uma preocupação com o autossustento. Usava o dinheiro para um tênis, uma camisa”. Aos 12 anos, acordava às 4h para servir de boleiro em quadra de tênis, como aquele que corre para garantir a partida de quem joga. Sem descanso no final de semana.
Aos 14, conseguiu o primeiro emprego como office boy do então banco BCN, com carteira assinada e tudo. Recebia 163 mil cruzeiros, pelo que ficou na memória. “Lembro como se fosse hoje a alegria em casa. Estavam todos na mesa da cozinha quando cheguei”, diz, falando sobre aquela lembrança “mágica”. Laércio deixou a escola pública e passou a pagar sua própria escola técnica. Seu Anísio se manteve por perto. Quando esteve no Recife semana passada para participar como palestrante mais importante do Innovation Meeting NE 2017, convidado pela Diferen/TI para um evento que reuniu mais de 200 executivos da região, contou que quando se viu na dúvida entre o emprego certo e a oportunidade de um estágio na Duratex correu para ouvir seu Anísio. “Oh, filho, não estou entendendo nada mas seu olho está brilhando. Vai fazer o que tem de fazer que eu te garanto que não vai faltar nada”. Nenhum outro conselho poderia ser melhor: “Talvez tenha sido a resposta que me fez chegar aqui”, acredita.
Jovenzinho, trabalhava no turno da madrugada, fazendo faculdade pela manhã. Ao final do turno das sextas, emendava o cursinho de inglês no sábado.
Seu Anísio, o guru e pai de Laércio, era daqueles cidadãos que recebia qualquer amigo que os filhos levavam em casa como reis. “O que ele me ensinou é que, não importa o quanto de dinheiro se tem na carteira, a pessoa merece respeito como ser humano. Essas coisas não se aprende na faculdade. Se eu dissesse que o que mais valeu para chegar onde eu cheguei foi isso: eu não sou o técnico melhor do mundo, estudei, fiz faculdade, fiz pós-graduação mas o principal de tudo foi como entender as pessoas. Aprendi isso com ele. Quando você tira os olhos de você e coloca nas outras pessoas, elas te levam para a lua”.
Laércio pode levar os filhos Maria Luiza e Bento para morar fora do Brasil, mas é contra a “fuga”; pode ir para qualquer restaurante do mundo, mas saliva ao falar do jabá feito pela mãe Deonilde; pode citar cifras e influenciadores, mas seus olhos brilharam mesmo quando fala é do tatu de seu Anísio.