16.09

Encerramento da exposição Queermuseu em Porto Alegre, pelo banco Santander, segue sendo criticado.

Luce Pereira (texto)
Greg (arte)

este país tem se alimentado de grandes escândalos e vergonhas e, na mesma proporção, de enormes equívocos que acabam na conta das babaquices (basbaquices, para os formais) antológicas. O encerramento da exposição Queermuseu, no último domingo, no Santander Cultural de Porto Alegre, foi uma delas. Escrevo sobre o assunto a pedido de pessoas que sabem bem o pecado (ou crime) que é não reconhecer o mais essencial na arte – o direito de expressar-se livremente, sem ter que dar explicações sobre formas, estéticas ou conteúdos, mesmo parecendo eles pouco palatáveis ao gosto comum. Apenas nos tempos mais sombrios da História a ideia de uma arte obediente e submissa foi cultivada e suas sementes, mantidas sob vigilância incansável. Mas não há dúvida de que não se pode decidir o destino delas, pensar assim é uma ingenuidade sem tamanho, digna apenas dos que enxergam o poder como sinônimo de cabresto com o qual imaginam controlar todo o rebanho.
Por enquanto, o Brasil parece mesmo ter perdido a capacidade de se indignar contra cafajestices e tolices, permitindo, entre tantos assombros, que o tribunal das redes sociais consiga aproximar perigosamente crítica de censura, palavra que pensávamos sob a lava de extintos vulcões. Seria necessário esclarecer aos condenadores que, neste caso, ninguém estaria obrigado a frequentar a exposição, como de resto, a ler livros, assistir a filmes ou novelas que abordem temas espinhosos (mas reais), pouco indigestos para quem não respeita a diversidade de pensamentos e escolhas sem a qual a vida fica parecendo um amontoado de semelhanças. Se não há dois seres humanos iguais, como querer que milhões tenham o mesmo padrão de pensamento e comportamento? Quando deixamos que a pior das morais, a falsa, se infiltre em terrenos iluminados é porque já não sabemos ou queremos defender a melhor parte de nós, a que estimula reflexões, beleza e humanidades.
Também soa estranho que um banco reconhecido por valorizar e incentivar manifestações artísticas capazes de contribuir para uma melhor compreensão do homem e do mundo no qual ele habita tenha se rendido ao mesmo tribunal, havendo tantos argumentos maiores do que aqueles vomitados pelo conservadorismo incapaz de raciocinar sobre as consequências das próprias reivindicações. É um desastre, ainda mais quando a exposição se destinava a um público adulto, em tese em condições de entender o alerta emitido pelas obras em relação a verdades e realidades incômodas. A arte, afinal, alcança apenas quem pode ou se permite avaliá-la como liberdade e libertação, ao mesmo tempo.
Não gostar disto ou daquilo é um direito de qualquer um, mas não tolerar que os artistas tenham uma visão absolutamente pessoal do mundo, da vida, dos homens, ultrapassa qualquer entendimento. Passos para trás, neste caminho, significa dizer sim apenas a uma arte oca, sem alma, que não questiona nem produz assombros. Mas, aqui, cai bem a pergunta do poeta: “Será arte?” Ao menos não aquela imprescindível para iluminar mentes e sugerir releituras pontuais de realidades que parcela significativa da população prefere seguir ignorando. Mas os temas espinhosos, é bom que se diga, não deixarão de ser abordados apenas porque a intolerância ganhou um round.