15.09

A teoria “menos é mais” nunca foi tão apropriada como proposta de revalorização do humano e ganha adeptos.

Luce Pereira (texto)
greg (arte)

Levamos a vida inteira a acumular coisas, porque assim a revolução industrial e o consumismo ensinaram, e então passamos a medir a felicidade pela quantidade do que foi adquirido. Confundimos ser com ter e acabamos vitimados por uma tremenda sensação de vazio, questionando se não estaria na hora de rever hábitos, comportamentos, conceitos, crenças. Mas bendita dúvida, considerando que conquistas exigem muito tempo e que ele deveria estar a serviço de uma substancial melhora da qualidade de vida, pois, afinal, ela passa num piscar de olhos. Mas não importa o tipo de reeducação – qualquer uma exige consciência, maturidade e coragem. Mudar radicalmente é como implodir um edifício e começar outra construção que em nada lembre a anterior. Quem se habilita? A cada dia, milhares de pessoas ao redor do mundo, sobretudo as que descobriram no minimalismo a resposta para suas angústias. Passaram a valorizar mais as pessoas do que os objetos e, tendo outra relação com eles, conseguiram enxergar a própria essência, o que realmente importa e faz sentido.
Por isso, nem cheguei a me surpreender quando soube que a mãe de certa amiga francesa, uma senhora animada a colecionar pedras semipreciosas e outros objetos interessantes, resolveu se desfazer aos poucos da maior parte dos pertences acumulados no apartamento da família, em Estrasburgo. Percebeu que a sensação de liberdade se ampliava à medida que os espaços iam ficando livres, ocupados apenas com coisas necessárias à rotina pessoal e da casa. E enquanto reduzia o consumo e canalizava as energias para questões íntimas verdadeiramente importantes, logo encontrava tempo e gosto em experimentar situações novas, experiências adiadas pelo foco nas conquistas materiais. Como era de se esperar, também a filha se viu impelida a ter o mesmo nível de reflexão e o desfecho da história tornou-se óbvio: passaram a compartilhar mais prazeres como viagens e a ver o futuro sob nova (e saudável) perspectiva: nada pode ser mais urgente do que aproveitar o agora, sabendo, também, que nada na vida vale mais do que a própria vida – experiência única, aventura preciosa.
Não resista à ideia do “menos é mais” acreditando que ela se adequa apenas a pessoas que passaram dos 60 anos e já não precisam de quase nada, depois de seis décadas de consumo. Os dois jovens norte-americanos Ryan Nicodemus (ex-publicitário) e Joshua Fields (ex-empresário), donos do blog The minimalists, trocaram carros de luxo, apartamentos espaçosos e roupas de marcas famosas por mais liberdade, mais paixão pela vida e mais experiências, como ensinam no filme Minimalism: A Documentary About the Important Things (Minimalismo: um documentário sobre as coisas que importam), do qual os dois são autores. Antes deles, a também norte-americana Francine Jay, que assina Menos é mais: um guia minimalista para organizar e simplificar sua vida, best -seller considerado como a Bíblia do minimalismo nos dias de hoje, já fazia a cabeça de milhares sobre a necessidade de se dar mais importância às pessoas e à natureza do que aos objetos. No fundo, o que todos propõe é um retorno ao essencial.
A busca pela simplicidade e a luta contra o desapego são desafios dos maiores para sociedades do Ocidente que encontraram no consumo uma espécie de válvula de escape por onde, acreditavam, sumiriam frustrações e faltas. Mas este script não produziu um filme de final feliz. E embora com muito atraso, percebe-se que é necessário uma nova consciência acerca da real importância das coisas, sob pena de elas nos possuírem e não o contrário. A propósito, esta é uma das mais reluzentes verdades do filme Clube da Luta (de David Fincher), só para lembrar que sobram recados e reflexões neste caminho.