04.10

 

Lançamento de romance de jornalista pernambucano será amanhã na Livraria da Praça, às 17 horas.

Urariano Mota (texto)
Reprodução da internet (imagem)

O romance A mais longa duração da juventude fala por si, desde o título. Mas ele também fala em trechos como estes:
“Acompanho os fios brancos de suas cabeças se tornarem frágeis, quebradiços, e me falo e percebo que algumas não piscaram no alto. No píncaro do tempo, não decaíram, como se fossem uma revolta contra a biologia, contra a organização da vida que se desorganiza e se desintegra quando chega ao fim. Parodiando Goethe no poema Um e Tudo, eles foram atravessados pela alma do mundo, e com ela lutaram sem descanso, como se vivos pudessem ter a eternidade. Tomaram outras formas, é certo, mas mantiveram a permanência do ser da juventude. Como? Não sou um filósofo, e assim não posso escrever ‘uma análise concreta de uma história concreta’, para usar frase dos anos de 1970 E como não sou um filósofo, tenho que falar desses companheiros de jornada como um escritor. E por isso as minhas mãos tremem. Em lugar de gelo ou de as amarrar, livro-as pela crueldade, que pode ser remédio para a ternura que me embaraça. Mas como ser cruel com o objeto que nos assalta e se revela como uma perseguição? Então sejamos verdadeiros, apenas. Isso é o máximo dos máximos que poderei sonhar.
Pergunto ao novo dono da pensão onde morei se existe acima de nós uma água-furtada. Ele me olha como os cidadãos saudáveis olham os assaltantes ou loucos. Corre sobre mim, de alto a baixo, a sua diferença e me responde: ‘Eu não sei’. E não posso nem devo lhe dizer que procuro Selene, Zacarelli, Batráquio, Luiz do Carmo e o jovem que fui ali.
‘Onde estão todos eles?
— Estão todos dormindo
Estão todos deitados
Dormindo
Profundamente’
Assim escreveu Manuel Bandeira ao evocar a casa do avô na Rua da União, que fica na esquina. Mas isto não é o poema de Bandeira. Isto é uma narração de revolta, que exige o retorno do que fomos. E por isso desço e procuro a água-furtada onde um dia me escondi. O lugar onde à noite ouvi Ella Fitzgerald sem vitrola. Aquele, onde ouvi Ella somente ao alisar a capa do disco, que girava em mim. E por isso vou ao muro do Parque 13 de Maio e nele subo, eu, este senhor que não pula mais de qualquer altura, eu, este senhor que deseja a vida de antes retornada, com esforço vou à grade sobre o muro e busco o pássaro da juventude. E o encontro numa pequena elevação do telhado, oculto da vista do público, das pessoas que na calçada estranham um senhor obeso arfando. Eu te achei, nós te achamos, pássaro.
Mas o que faremos da imortalidade? O que plantaremos no lugar do que é efêmero, que retira do próximo fim o seu gozo? Como teremos a saciedade sem a fome? Seria a imortalidade o paraíso sem o seu contrário, uma duração eterna do que é fluido e fugaz?
O que não é mais Luiz do Carmo está entre flores. O que foi, eu sei. O que não é, é este sobre o qual os amigos têm os olhos com lágrimas. Então, não sei de onde me vêm palavras que digo a ele me dirigindo a seus filhos. Não sei bem o que falei, apenas possuo imagens que destaquei sobre o escritor. O jornalista. O homem de partido. Mas acima de tudo o companheiro de geração. Olho para o corpo de Luiz do Carmo, olho para os filhos, e só me vem o mais íntimo, o que não posso falar. Eu sei e não posso, não devo, para não cair no mais lamentável espetáculo que um homem pode cair. “Como escutar Ella Fitzgerald? Você não tem vitrola”, ele me disse. O mais nu e mais íntimo, que fala da entrega da alma ao melhor, à fruição da arte, ao espírito mais belo e rebelde da juventude. Engasgo, e por estar engasgado sei que devo sair do velório. A minha mulher me dá o braço. Me atormenta, mas não falo a pergunta que escrevo agora:
– Para onde vamos?
Saio carregado”.
O romance continua até uma iluminação, quando se revela A mais longa duração da juventude. Lançamento amanhã na Livraria da Praça, praça de Casa Forte, das 17h até as 20h.