09.10

 

Pouco a pouco as catadoras de material reciclável vêm recebendo formação em diversas áreas.

Marcionila Teixeira (texto)
Peu Ricardo (foto)

A Cooperativa Palha de Arroz, no Arruda, é única. No local onde um dia funcionou uma fábrica do grão, somente mulheres trabalham na separação e venda de material reciclável recolhido pelos garis da prefeitura nas ruas do Recife. Não por acaso, lá escutei uma das melhores definições de feminismo. Partiu de Alexandra Matias da Silva, 24 anos, analfabeta, ex-moradora de rua e mãe de quatro filhos. “Feminismo é um bocado de mulher junta lutando pelo que quer.”
Assim que aprender a decifrar as letras, Alexandra pretende ler tudo a sua frente. Certamente, se tornará ainda mais sábia. Esta semana, ela participa do Lição de Vida, um projeto de alfabetização de jovens e adultos. As aulas acontecerão no próprio galpão da cooperativa. Tomado de pessoas invisibilizadas como Alexandra, o espaço vem, aos poucos, recebendo ações da Secretaria da Mulher relacionadas a empoderamento feminino. O Lição de Vida é uma parceria com a Secretaria de Educação.
Ariane Durack, 30, também trabalha na cooperativa. Antes, atuou no almoxarifado de uma empresa privada. Na época, era uma das poucas mulheres no setor. Por isso, raciocina ela, a demissão teve teor machista. Com ensino médio concluído e experiência profissional, não conseguiu se inserir novamente no mercado de trabalho e partiu para o galpão.
A experiência e os estudos colocaram Ariane na tarefa de negociar com os atravessadores. Um quilo de papelão só custa R$ 0,20. O cobre é o mais valioso, chegando a R$ 15,00, o quilo. O caminho do cobre até a cooperativa, no entanto, é longo. Muitas vezes ele é recolhido antes de chegar ao destino. Em meio aos tantos desafios, as mulheres passaram por fomações de análise financeira, definição de mercado e a importância da sustentabilidade. Inclusive, construíram coletivamente um plano de negócios para a cooperativa, cuja meta é se inserir no mercado comprador de PET em Pernambuco. A formação também prevê uma assessoria contábil e jurídica para a formalização da cooperativa. A união Europeia apoia a iniciativa.
Se existe poder feminino no lugar, muito dele se deve à presidente da cooperativa, Maria José dos Santos, 47. No início dos trabalhos, havia três homens no espaço. Um deles seria, inclusive, empossado presidente de uma maioria formada por mulheres. A ideia foi por água abaixo antes de ser implantada. “Eles queriam mandar na gente, mas a gente não aceitou”, resume Maria José. No dia da eleição, ela foi a única a se oferecer para ocupar o cargo. Das duas prensas da cooperativa, inclusive, uma está quebrada – há seis meses – por conta do manejo inadequado dos homens, diz Maria José. A previsão dada pela prefeitura à liderança é de consertar a máquina somente em janeiro.
Parte das mulheres da cooperativa é lésbica. E o tema não parece ser tabu. Ao contrário. Claudecir Soares Gomes, 42, por exemplo, conta que lá é um dos poucos lugares onde se sente respeitada. “Já aconteceu várias vezes de entrar em um banheiro feminino e as mulheres me condenarem dizendo que o lugar não é para homens. Insisto e fico, mas isso é muito chato”, desabafa. Encontros para debater gênero, feminismo, mundo do trabalho, violência contra a mulher e especificidades da saúde feminina ajudaram Claudecir a dar um ponto final na violência praticada contra ela pela ex-companheira. “Eu aceitava ser espancada. Não tinha coragem de me libertar”, lembra.
Lucilene da Silva, 50, trabalhou no antigo Lixão de Aguazinha, em Olinda. Lá, viveu cenas degradantes. Uma delas ganhou repercussão internacional, quando um pedaço de seio foi recolhido entre os dejetos e serviu de refeição para uma amiga de Lucilene. “Passei momentos terríveis naquele lugar. Teve época que minha carne era queijo do reino jogado fora. Na hora que o caminhão de lixo chegava, todo mundo empurrava. Aqui é diferente”, compara. Lindinalva dos Santos, 68, confessa: “Aqui é ótimo. O dinheiro é pouco, mas parada em casa a gente não tem nada. É como uma terapia. Se alguém chega estressada, logo a gente chama para tomar um café, varre aqui, rasga um saco ali e passa”, ensina. Trinta mulheres integram a cooperativa, sendo dez novatas. Parece que a cooperativa é mesmo um símbolo da resistência feminista. Desde julho de 2016.