11.11

Artista plástico mora na Boa Vista e tem produção excepcional nascida a partir de técnicas e tintas que ele mesmo cria.

Luce Pereira (texto e fotos)

Não insista no discurso de que por aqui não há grandes talentos artísticos prontos para serem descobertos, porque até mesmo o acaso pode se encarregar de provar o contrário. Foi assim que, num dos espaços culturais mais novos da cidade, encontrei um sujeito pintando compulsivamente, num canto afastado do burburinho do café/bar. Chama-se Mojse Ysroel Gabbay. Observava por detrás dos óculos o salão, a música, o movimento e traduzia a cena, reprodução depois muito elogiada pela fotógrafa francesa Claire Alice Jean, que me levou ao local. Fiquei tão surpresa com a qualidade do trabalho, que logo, inocentemente, quis conhecer outros, sem ter a menor ideia da quantidade de desenhos acumulada durante os últimos dois anos. Numa noite de muita inspiração, já chegou a fazer 150. Sim, acredite.
Sem esforço algum, fomos alinhavando as afinidades e eu pude, enfim, conhecer mais de perto a história de vida e a produção extraordinária dele. Do ponto de vista pessoal, o rapaz nascido em Limoeiro, numa família descendente de judeus hispânicos-urálicos, amargou muitas dificuldades, a começar pela oposição do pai ao seu desejo de se tornar artista plástico. Até mesmo uma tia que fazia pintura em porcelana se mostrava indiferente ao olhar maravilhado do sobrinho para os pincéis. Somente quando foi morar em Carpina, na adolescência, encontrou o apoio decisivo. Foi plenamente acolhido pelo desenhista José Pimentel Neto (Zezito) e toda a família, passando a acompanhar o trabalho e a praticar, sempre sob a orientação do artista. “Zezito foi um mestre para mim, um exemplo em todos os sentidos”. Também tornaram-se fontes de inspiração Francisco Brennand e Abelardo da Hora, que conheceu depois de passar a morar no Recife. Era só um garoto, mas ainda hoje se emociona ao falar do dia em que viu, em um museu da cidade, quadro que o levou de vez para o mundo dos lápis e pincéis.
Por volta dos 15 anos, Gabbay passou a estudar com afinco o alemão, chegou a cursar ciências sociais, um pouco adiante, mas não concluiu e então voltou-se para aprender as leis judaicas, deixando a arte de lado. Só depois de se casar, em 2007, e ir morar na Alemanha, onde nasceu o primeiro dos três filhos, fez as pazes com os pincéis. Mas, numa exposição na Eslovênia, descobriu que o que queria mesmo era ser ceramista. “Por isso digo que não sou pintor, ´estou´ pintor´, esta é uma frustração que tenho”, confessa. As dificuldades financeiras para adquirir os equipamentos necessários foram sempre apontadas como as grandes responsáveis pelo adiamento do sonho. Hoje, mais do que nunca, pois, na volta da Alemanha, pouco antes do começo desta década, desistiu de comercializar joias, perdeu o emprego como professor de arte para crianças pela pedagogia Waldorf e vive de vender trabalhos avulsos e fazer oficinas (ligue 997 32 67 24 ou 3038 6724). No entanto, merece mostrar todo o seu potencial em uma grande exposição, não resta a menor dúvida.
Leitor voraz desde criança e com facilidade enorme para aprender idiomas (hoje fala, além do alemão, inglês, francês, húngaro, russo e iídiche, claro). É fácil encontrá-lo na biblioteca do Gabinete Português de Leitura, ali sendo capaz de falar horas a fio sobre suas paixões literárias, sobretudo os grandes escritores russos e alemães. “Meu trabalho é carregado de literatura, eu crio e decomponho imagens a partir de certos textos, Dostoiévski era mestre nisso, inclusive”. Dono de um traço tão vigoroso, não estranha que Gabbay tenha sofrido influência de gênios do Impressionismo e do Expressionismo, com ênfase para alguns como o suíço/alemão Paul Klee. A exemplo de Klee, ele faz experimentos com tintas e técnicas que resultam numa pintura sofisticada e visceral, digna de um público sensível e exigente. Afinal, não é todo mundo que se aventura a extrair a luz da sombra e assim pintar um poema.